Aos 15, tragédia de Cromañon ainda é trauma para Buenos Aires
Há 15 anos, numa antevéspera de Ano Novo como este 30 de dezembro, Buenos Aires viveu uma das piores tragédias de sua história recente. Um incêndio ocorrido numa casa noturna, a Cromañon, no meio do show da banda de rock Callejeros, terminou com um saldo de 194 mortos e mais de 1400 feridos _a maioria, adolescentes. A notícia abalou o país, com as imagens dos corpos jovens resgatados do fogo, de jeans, camiseta e tênis. A cara de espanto dos sobreviventes, ofegantes, dando entrevistas. O desespero de pais e familiares buscando o nome dos rapazes e moças nos hospitais que atendiam os sobreviventes ao longo da madrugada.
Por anos a cidade não se recuperou. A noite passou a ter regras que deveriam ter sido obedecidas muito antes. Alvarás mais rigorosos passaram a ser observados. Vários locais foram fechados e nunca mais reabriram. Eventos com música ao vivo em casas fechadas ficaram proibidos por mais de um ano, e só retornaram aos poucos e controlados. Antes, Buenos Aires era 24h, até seus sebos da avenida Corrientes atravessavam a noite abertos. Hoje, não é mais assim.
Houve repercussões políticas e judiciais também. O então chefe de governo da cidade, o kirchnerista Aníbal Ibarra, foi responsabilizado e afastado do cargo. Isso de certa forma deu espaço para que outro político com ambições começasse a se projetar. Era Mauricio Macri, que se candidatou e foi eleito chefe de governo de Buenos Aires no pleito seguinte. Dali, saltou à Presidência.
Ao investigar-se o que havia rolado de fato na discoteca, o quadro apenas piorava. Logo depois de iniciado o concerto, alguns jovens lançaram rojões _a princípio proibidos, mas que haviam entrado na casa por falhas na fiscalização. Em contato com o teto, o sistema elétrico e de som da casa, o incêndio se alastrou rapidamente. Todos correram para as portas para, num instante de completo pânico e terror, dar-se conta de que estavam todas trancadas.
Logo se descobriu, também, que a casa só tinha permissão para abrigar mil pessoas por noite. Naquele dia, eram mais de 3 mil ali dentro. Não havia sinais de saídas de emergência nem projeto de evacuação. Tampouco suficientes equipamentos para combater o fogo. Por fim, seu alvará de funcionamento estava vencido havia anos.
A batalha das famílias na Justiça para que os responsáveis fossem presos levou anos. A banda, que usualmente incentivava esse uso de rojões em seus shows dizia que a culpa não era dela, nem o empresário do grupo queria admitir que não tinha revisado as condições de segurança do show. E o dono da Cromañon, Omar Chabán, tratou de empurrar a culpa para terceiros.
Depois de quatro anos, as sentenças começaram a sair. Os membros do Callejeros, o empresário e Chabán foram presos. Mas suas penas foram consideradas pequenas pelos familiares das vítimas, que ainda esperam ressarcimentos que tardam a sair. Em poucos anos, além disso, os responsabilizados pela Justiça tiveram reduções das condenações. Hoje, já estão todos livres ou em prisão domiciliária. Chabán morreu de câncer, enquanto ainda cumpria a pena. E um dos membros da banda, Eduardo Vázquez, voltou para a prisão, mas por conta de algo também horripilante. Após ser libertado, assassinou a mulher, e agora cumpre prisão perpetua.
Cromañon é antes de tudo uma tragédia que jamais será esquecida. A cada aniversário, há luto e homenagens. E nisso os argentinos são admiráveis. Honram seus mortos e seguem exigindo Justiça. Além disso, é um episódio que intimidou e entristeceu para sempre a noite portenha, como se a responsabilidade fosse coletiva, uma vez que a corrupção esteve por trás de tudo _desde a política até a das instituições e organismos que deveriam conter essa catástrofe.
Pelo menos, serviu para que a cidade tivesse mais regras de controle para o funcionamento de casas noturnas. O que é fato atualmente. Se serve para que algo assim seja mais difícil de se repetir, também deixa o gosto amargo de ser um remédio que chegou apenas da morte do paciente.