Masha Gessen em Buenos Aires

A escritora e jornalista russa Masha Gessen (Foto Divulgação)

Autora de livros-reportagem sobre Vladimir Putin (“The Man Without a Face”), as Pussy Riots (“Words Will Break Cement”) e jornalista da “The New Yorker”, Masha Gessen, 52, esteve em Buenos Aires na última semana, participando do festival de não-ficção Basado en Hechos Reales. Deu-se um espaço para passar uma noite no Delta do Tigre, passear pela cidade em bicicleta com a namorada e caminhar pelo bairro boêmio da Boca, onde resistiu de forma valente a uma tentativa de assalto.

Folha – Seu livro “The Future Is History” trata de um artifício comum usado por políticos hoje, que é prometer um futuro que evoque o passado. Por que esse discurso, usado por Trump, por Putin, personagens que você conhece bem, tem sido tão eficiente?

Masha Gessen – Em seu famoso livro “Escape From Freedom” (1941), Erich Fromm fala desses dois conceitos de liberdade, “liberdade de” e “liberdade para”. “Liberdade de” é o que todos queremos, é a liberdade de não obedecer os pais, a liberdade de fazer o que quiser, etc. Já a “liberdade para” é mais difícil. Porque se refere a reinventar-se, a buscar o seu caminho. Isso deixa as pessoas muito ansiosas. Em alguns momentos da história, ocorre de modo mais agudo.

E é o que estamos vivendo agora, um momento em que as pessoas estão muito ansiosas, devido às grandes transformações pelas quais estamos passando e que as deixam confusas sobre para onde e como ir. Essa ansiedade abala algo que todos queremos no fundo, que é a estabilidade de saber o que vai acontecer. Em nome disso, entrega-se a “liberdade para” a alguém, de preferência a alguém que diz que vai levar essa pessoa a um passado imaginário, no qual as coisas, teoricamente, eram melhores. Mas essa promessa não tem nada a ver com algo que de fato estaria no passado, e sim com a ideia de que esse líder pode oferecer um caminho de previsibilidade, que diminua essa alta ansiedade das pessoas.

Folha – Apesar de ser uma dura crítica de Trump, você também foi de Obama, por que?

Gessen – Estamos vivendo mudanças muito radicais. Em 2008, Obama fez com que o país todo sentisse que havia uma possibilidade de mudança, de que os EUA poderiam ser diferentes do que pensávamos que ele era, só que ele não entregou essa promessa. Foi apenas mais um presidente tecnocrata, não tinha nenhuma visão de longo prazo. E, com isso, abriu caminho para Trump. As pessoas sentiram que, como com o tecnocrata não haviam conseguido nada, que estavam mais pobres e menos felizes, entregaram seu destino a Trump, porque Trump era aquele que dizia: “eu sei que você está se sentindo menos feliz e que você quer que eu exploda o sistema, portanto, vou explodir o sistema”.

Houve uma mudança radical de uma expectativa pelo senso da novidade trocada pelo retrocesso. Para a comunidade LGBT, muitas pessoas estão sentindo que as coisas estão retrocedendo. A mudança do que era a atitude da sociedade com relação aos LGBT desde os anos 2008 a 2019 é enorme. A homofobia ganhou grande escala, as coisas estão sendo revertidas rapidamente para minorias que achavam que certos direitos estavam conquistados e garantidos para sempre.

Folha – Como você define o jornalismo na Rússia hoje?

Gessen – Não existe jornalismo na Rússia hoje. Quando fiz o livro sobre Putin (publicado em 2012), ainda se podia investigar algo. Tem gente que consegue, mas as dificuldades são imensas. A mim, me tiraram do cenário ameaçando com tirarem de mim meu filho adotivo. Primeiro saiu num jornal, um parlamentar de direita dizendo que se deveria passar uma lei para que crianças russas abandonadas não fossem entregues a famílias de pervertidos como as de Masha Gessen, assim, usando explicitamente o meu nome. Ele tinha 15 anos e eu o coloquei num avião para os EUA, onde vive meu pai. Logo, seis meses depois, nós todos nos mudamos (Gessen tem ainda duas outras filhas).

Então, quem faz jornalismo lá hoje passa por muitas dificuldades. Onde se encontra mais informação é em pequenas bolhas informativas. Os médicos fazem muita troca entre eles de dados sobre falta de remédios, dificuldades burocráticas, por exemplo, e é assim nas demais áreas, mas não se tem um meio que dê uma ideia ampla do que ocorre. É preciso seguir essas trilhas para se manter a par do que se passa no país como um todo.