5 livros para entender o Uruguai
Muita gente anda impressionada com o Uruguai nestes dias. Outra vez. Como é possível que apoiadores dos dois partidos rivais estejam dançando com suas bandeiras, juntos, dias antes do segundo turno? Como pode ser que não existam insultos entre os principais candidatos? Por que se valoriza tanto a democracia a ponto de o candidato que praticamente já se sabe vencedor diga a seus apoiadores que não comemorem agora, que é preciso respeitar a lei e esperar o fim da contagem dos votos. E mais, que voltem para casa “com alegria contida” (vá dizer isso a um militante político argentino…)? Além disso, um país que respeita os direitos civis, que não gosta dos extremos políticos, que aceita imigrantes, que é igualitário, laico e secular?
Bom, a resposta é que nada disso ocorreu do dia para a noite. Aqui, alguns livros que ajudam a explicar a “excepcionalidade” uruguaia e de que é feito esse país.
- Ariel (José Enrique Rodó, 1900) – Neste ensaio filosófico, Rodó (1871-1917) faz uma crítica ao materialismo que o autor via disseminar-se pela América Latina. Prega que os jovens devem defender-se dos valores consumistas e da dominação cultural dos EUA, cultivando a espiritualidade. Seu modelo de democracia estava baseado na educação popular e na construção de uma sociedade igualitária. O ensaio está construído a partir de personagens da obra “A Tempestade”, de William Shakespeare, colocando o foco em Ariel, símbolo do idealismo, que se contrapunha ao materialismo de Caliban.
- Las Cartas que No Llegaron (Mauricio Rosencof, 2000) – Escrito pelo ex-Tupamaro e colega de militância e prisão de José “Pepe” Mujica, a obra de Rosencof, 86, fala de um país construído pelas vidas cortadas dos imigrantes e pelos que participaram da luta política dos anos 1970. Acompanhamos o pequeno Moishe, apelido de infância de Rosencof, crescendo numa família que foi a última de seu povoado polonês antes de os nazistas varrerem os judeus dali. Os Rosencof encontram abrigo na então distante Montevidéu. As “cartas” do título são aquelas que os pais de Moishe esperavam a cada dia da família que acabou morrendo nos campos de concentração na Europa, mas também as que ele, já adulto e guerrilheiro, escrevia a seu pai desde a prisão.
- Montevideanos (Mario Benedetti, 1959) – A coletânea de contos foi uma das primeiras obras a projetarem o uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) como um dos principais autores latino-americanos do século 20. Lança um olhar por vezes piedoso, noutras mordaz e em quase todas melancólico sobre a classe média na “cidade de todos os ventos”, como o autor chamava Montevidéu. Escritos entre 1955 e 1961, funcionam como reflexão sobre a sociedade construída a partir dos tempos de bonança econômica, na década anterior, quando o país se industrializou e conheceu boas taxas de crescimento. Nos relatos que tratam do cotidiano, o autor retrata a alma de Montevidéu. Há também histórias que questionam a ideia de que ser uruguaio no mundo era ser um provinciano longe de casa –conflito que Benedetti viveu, ao ter de se exilar devido à ditadura (1973-1985). O autor questiona o lugar-comum de que Montevidéu é um lugar tranquilo, em que o tempo parece parado. Cada conto do livro mostra algo das sutilezas da alma uruguaia, suas maldades e ternuras, fúrias, paixões, preconceitos e temores, emoções em movimento que permanecem encobertas até hoje.
- José Batlle y Ordoñez – Uruguay a la Vanguardia del Mundo (Jorge Buscio, 2004) – Para quem quer conhecer o fundador do Uruguai moderno, o presidente colorado mítico que aprovou, no início do século 20, uma série de leis de direitos civis vanguardistas, como o divórcio apenas pelo pedido da mulher, e trabalhistas, estabelecendo a jornada de oito horas e regulamentando o trabalho rural, este livro é uma boa introdução. O Uruguai é fruto do chamado “batllismo”, cujos valores mais gerais estão espalhados pelos três principais partidos políticos do país. O livro de Buscio investiga as raízes do pensamento de Batlle, o contexto histórico que permitiu que ele se desenvolvesse e analisa o impacto que suas ideias têm no Uruguai contemporâneo.
- História Mínima de Uruguay (Gerardo Caetano, 2019) – O renomado historiador consegue resumir, no volume desta coleção que exige que os textos sejam sintéticos, as razões da “excepcionalidade” uruguaia. Caetano o vê como um “laboratório de experiências singulares”, quando se refere, por exemplo, aos ideais do “batllismo”. Dos tempos da Colônia, resgata a fricção em que o país se desenvolveu em meio à disputa entre os impérios português e espanhol. Do seu perfil inicial de “fronteira”, o Uruguai desenvolveu uma identidade cultural e política próprias, longe da influência da Igreja Católica, até hoje pouco atuante neste país predominantemente laico, e cuja virtude mais especial foi ter se desenvolvido e se mantido através dos tempos.