Acolher refugiados e perseguidos é bela tradição mexicana
Há quem pense que a acolhida do México ao agora ex-presidente boliviano Evo Morales tem a ver com o simples alinhamento ideológico deste com o atual mandatário mexicano, o também esquerdista Andrés Manuel López Obrador. Ou seja, uma mera questão conjuntural.
Porém, um dos belos legados da tradição mexicana é justamente este, o de acolher estrangeiros com problemas políticos, refugiados ou perseguidos. Basta lembrar das centenas que fugiram das ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 (brasileiros, argentinos, chilenos e uruguaios), para ficar num exemplo próximo. Ou do líder revolucionário soviético León Trotsky que, tentando escapar de Stálin, em 1936, foi acolhido pelo presidente Lázaro Cárdenas por influência do pintor Diego Rivera e se refugiou no lindíssimo bairro de Coyoacán, na Cidade do México. A fúria de Stálin contra ele, porém, foi maior, e Trotsky acabou sendo assassinado ali mesmo. Curioso é que essa terra que deve ter parecido tão distinta à sua, acabou sendo o lugar em que hoje está seu legado. Não apenas sua casa, seus objetos e muitos de seus escritos seguem ali, como seu neto, Esteban Volkov, que entrevistei na Cidade do México há alguns anos e que é a cara do avô, mas adora quesadillas e tacos e fala com o mais puro sotaque “chilango”.
Desde que decidiu que se aceitaria o pedido de asilo de Morales, o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, vem fazendo referências a essa tradição. Explicou que ela está viabilizada pelo artigo 15 da Constituição, que define o acolhimento como um direito humano.
Na Argentina, a gratidão pelo México é tão profunda que muitos ex-montoneros, intelectuais e defensores de direitos humanos que tiveram de deixar o país durante o regime militar (1976-1983) não quiseram voltar nunca, e são chamados de “argen-mex”.
Entre outros exilados importantes, o México recebeu ainda mais de 20 mil espanhóis republicanos durante e depois da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), fugindo das garras de Franco. E, em 1955, foi nesse território que o cubano Fidel Castro se encontrou com o argentino Ernesto “Che” Guevara, antes que ambos iniciassem sua luta pela Revolução Cubana. O México também jamais aceitou aplicar sanções contra Cuba e seguiu sendo o melhor aliado da ilha socialista nos piores anos da Guerra Fria.
Mais atrás ainda, o poeta José Martí (1853-1895), um dos próceres de Cuba, também passou um tempo exilado no México antes de virar um dos heróis da independência cubana.
No México, não se trata de proteger apenas quem tem afinidades ideológicas, mas sim de respeitar uma Constituição histórica, de viés humanitário, e que deixou marcas profundas na política e na cultura do país.
Se hoje o México é, também, célebre por sua literatura, seus movimentos artísticos e suas revistas culturais, deve muito a esses refugiados ou perseguidos vindos da América do Sul, da Europa ou da longínqua então União Soviética. Trata-se de um exemplo vivo de como a imigração e o acolhimento ao estrangeiro só tendem a enriquecer uma cultura e uma sociedade.