Abad Colorado, ou a paz com os olhos abertos

Imagem de povoado destruído pela guerra na Colômbia, com cartaz que propagandeia a paz (Foto Jesus Abad Colorado)

Não houve quem não se emocionasse com o discurso e as imagens de Jesus Abad Colorado, 52, ganhador do prêmio de excelência do Festival Gabo, na Colômbia, no último dia 3. O trabalho do fotógrafo permeia toda sua vida, tanto que ele inicia mostrando fotos de seus avós, assassinados pelos distúrbios políticos internos do país, que remontam ao século 19, e de seus pais, que refizeram a vida a partir de uma pequena horta no interior antioquenho.

Com uma memória invejável, ele apresenta as fotos nomeando as vítimas e os personagens, até mesmo os animais de estimação que aparecem nelas. Depois, diz que isso não é casual, nomeá-los lhes recobra vida.

Sua trajetória começou no Departamento de Antioquia, onde nasceu, na cidade de Medellín, em 1967, apenas três anos depois do surgimento dos principais grupos guerrilheiros do país, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), hoje desmobilizadas, e o ELN (Exército de Libertação Nacional), ainda na ativa. Mas quem conhece a história recente da Colômbia, sabe que a guerrilha é apenas um elemento da violência.

O país que conheceu as guerras sangrentas entre conservadores e liberais retratadas na literatura de Gabriel García Márquez (1927-2014) no passado, a partir do século 20 viveu o “bogotazo”, o período conhecido como La Violencia, a guerra contra os cartéis de narcotráfico nos anos 1980 e 1990, o auge dos atentados das Farc e do ELN e, atualmente, o enfrentamento de facções criminosas ligadas ao narcotráfico, com grupos dissidentes de guerrilhas e ex-paramilitares.

Para Gabo, a tentativa de realizar acordos de paz nas últimas décadas eram válidas, mas insistia no ponto de que a paz deveria ser tratada e vigiada “com os olhos abertos”. Abad Colorado parece fazer justamente isso, manter os olhos abertos para o que ocorre enquanto os colombianos lutam por chegar a ela.

No meio desse conflito que parece eterno e devasta o interior, há pessoas. Na maioria camponeses, civis, cujas famílias foram atravessadas por mortes, extorsões, abusos sexuais e o recrutamento forçado de seus filhos. É a eles, principalmente, que Abad Colorado dedica as lentes de sua câmera. Como conhece a região e tem a facilidade de visitar e voltar a visitar lugares cujo acesso dos meios de comunicação é complicado, como o interior de Departamentos conflagrados, tem o privilégio trágico de fotografar a destruição de povoados (como se vê na foto acima), enterros coletivos, o deslocamento forçado de famílias inteiras e até mesmo um casamento ocorrido entre os destroços de um ataque.

Porém, mesmo estando fotografando imagens devastadoras, de rasgar o coração, Abad Colorado crê na paz. E dedica atenção também para a tentativa das população local de reconstruir seus lares, carregando tijolo por tijolo, e aos ex-guerrilheiros que deixaram suas armas para trabalhar em suas hortas e para criar seus filhos _uma das ex-combatentes estava presente na cerimônia, com a filha no colo. Embora seu discurso de aceitação do prêmio não tenha nomeado políticos, ele foi inteiramente direcionado aos representantes que são contra o acordo de paz com as Farc _a saber, o atual presidente, Iván Duque, e seu partido, o Centro Democrático, que fizeram propaganda pelo “não” ao tratado, em 2016 _depois aprovado pelo Congresso.

O acordo está em vigor, mas a ineficiência do governo em implementá-lo tem causado mais distúrbios, deixando no limbo e expostos à morte ou ao desejo de deserção muitos dos ex-guerrilheiros _125 já foram assassinados, mais de 2 mil abandonaram o acordo e ameaçam retomar as armas, já reagrupando-se na região fronteiriça do país ou em território venezuelano.

“Fui testemunha única de muitos episódios, não porque sou particularmente bom, mas porque decidi dedicar muito tempo em construir laços com as comunidades, voltando a cada tanto para acompanhar como viviam e superavam as tragédias pelas quais passaram. Isso me fez ser esperançoso com relação à paz”, disse Abad Colorado.

Para Jaime Abello Banfi, que dirige a Fundação Gabo, que outorgou o prêmio a Abad Colorado, o fotógrafo “colocou em foco a humanidade e a dignidade das pessoas que vivem nas áreas atingidas pela guerra. E mostrou grande respeito a elas, sempre fazendo o esforço de retornar a essas comunidades e a estabelecer laços com as pessoas retratadas”.

Ao final da exibição de suas imagens, emocionado, Abad Colorado deixou palavras de esperança. “Ainda espero que a Colômbia não esteja condenada a repetir sua história e cair de novo numa guerra na qual quem morre não são as máfias ou os políticos que as provocam, mas sim a os camponeses e a gente humilde deste país”.