Tevez, a verdadeira paixão do torcedor argentino
Não há quem dispute, na Argentina, que Lionel Messi é o melhor jogador do país e do mundo. Porém, o coração dos argentinos se identifica muito mais com Carlos Tevez, 35. Por conta de sua personalidade, por ser um sujeito generoso com os colegas e a família e por sua origem humilde. Alguém que parece ter sobrevivido por milagre tanto de uma queimadura seríssima quando era apenas um bebê e, depois, por ter crescido num bairro pobre e dominado pela violência, Forte Apache, na Grande Buenos Aires.
“Apache – A Vida de Carlos Tevez”, série da Netflix dirigida pelo renomado diretor uruguaio Adrián Caetano, conta, em oito cativantes capítulos, a história da infância de Tevez, desde seu nascimento até sua estreia na Bombonera, o estádio do Boca Juniors.
O fã de futebol pode ficar decepcionado a princípio, não estão na série os gols mais marcantes, sua trajetória na seleção nem na Europa, seus mais de 20 títulos ganhados. Pelo menos não nessa primeira entrega. Aqui vemos apenas o Tevez criança e adolescente em sua luta para se transformar em jogador profissional. Porém, só nesse trecho de sua vida, até os 13 anos, temos uma trama que contém um pouco de tudo: drama, tragédia, lágrimas e tiros. Além disso, toca num ponto sensível, ao mostrar como é particular e intensa a relação dos argentinos com o futebol.
Tudo começa no dia em que sua mãe biológica, Fabiana, entra no hospital com o bebê nos braços, correndo, pois havia derramado mate fervendo sobre ele. Está acompanhada da irmã e seu marido. Todos recebem aí a notícia de que Carlitos está em estado grave, com mais de 80% do corpo queimado. Fabiana, que teve a vida marcada pelos excessos no consumo de drogas e álcool e que havia ficado viúva ainda durante a gravidez, não aguenta o baque de criar o filho. Ele é, então, entregue à tia, Adriana, e ao tio, Segundo, a quem Tevez até hoje se refere como seus verdadeiros pais.
Por conta de um pedido do próprio Tevez, a série foi filmada toda em Forte Apache. O bairro, marcado pelas disputas de bandos de narcotráfico, intrigas e acertos de contas, ainda é o local que Tevez chama de lar até hoje. Mesmo quando vivia na Inglaterra ou na Italia, não deixava de ir visitar os amigos que fez aí, além dos familiares que ainda vivem no local. A série mostra como Fuerte Apache, apesar do perigo constante, é também um local onde a comunidade tem laços muito estreitos e as amizades são muito fortes.
O próprio Tevez aparece a cada capítulo para detalhar alguns aspectos de sua vida. As tramas mais interessantes ocorrem fora dos campos de futebol. Um dos personagens que claramente marcou a vida do jogador foi seu pai adotivo, Segundo Tévez, um homem cheio de valores e esperança que, neste ambiente hostil, consegue guiar Carlos a salvo até o sucesso.
Também estão bem retratadas as disputas no bairro, e o quão perto Carlos esteve de cair numa gangue e de morrer jovem. Outro drama que a série ficcionaliza é a curta vida de seu melhor amigo na infância, Darío Coronel ‘Cabañas’ (Matías Recalf), que parecia jogar tão bem quanto Tevez e chegou a ser contratado por um clube, o Liniers. A vida, porém, foi menos generosa com Cabañas e este morre de forma trágica aos 17 anos.
A série toma algumas liberdades com relação a alguns aspectos da trama e de alguns personagens. Ainda assim, retrata de modo realista a vida nos bairros da periferia de Buenos Aires. Para quem tem uma ideia idílica da Argentina, traz uma amostra mais fiel desse país que já foi um dos mais ricos do mundo, mas hoje tem 33,5% de sua população na pobreza.
As atuações e os diálogos estão a altura do bom cinema argentino, e até os atores mirins estão espetaculares. “Apache” não é apenas uma série sobre futebol, mas também um modo de conhecer uma outra Argentina, seu sotaque, sua coloquialidade, seus perigos e seu caráter.