José Balza, um venezuelano inquieto

O escritor venezuelano José Balza, às vésperas de completar 80 anos, recebeu uma merecida homenagem na Espanha, nesta semana. Na ocasião, aproveitou para fazer uma doação à história, depositando um pacote fechado na Caja de las Letras do Instituto Cervantes, que só poderá ser aberta dentro de 40 anos. A instituição guarda outros acervos do gênero, e Balza disse que, no seu caso, o que contém sua caixa será “uma homenagem a quem nela está incluído ou mencionado”.

Enquanto o mistério fica no ar, resta celebrar essa voz literária que é pouco conhecida, mas integrou o chamado “boom latino-americano” dos anos 1970 com grande versatilidade: ficção, ensaio e incríveis aforismos literários. Como estes: “Por isso é fácil, ao ler romances, saber onde estamos”, ou “Uma notícia pode ser um conto, mas este nunca pode ser somente notícia”. Estes últimos estão contidos em “Ensayos de Humo”, lançado pela editorial Equinoccio, de Caracas.

Balza nasceu e cresceu no Delta do Orinoco. Quando conta como começou a escrever, já é de um modo poético. Diz que, em San Rafael de Manamo, o povoado em que vivia, havia apenas cinco casas, estavam rodeados pela floresta e pelas águas. Ali perto, uma tribo da etnia warao. Balza criança achava que os animais e as plantas eram como os seres humanos, e apenas aprendeu quais eram as distinções, já queria escrever sobre elas e sobre o mundo que o rodeava. Assim começou sua carreira, sempre marcada por esse tom contemplativo.

“Fui criado com frangos, porcos e outros tipos de animais. Achava que era irmão deles, que éramos uma família. Aos cinco ou seis anos, aprendi que éramos diferentes, e que eu era diferente também das árvores. Comecei a escrever para poder me diferenciar das árvores”, escreveu certa vez.

 

Mais tarde, foi viver em Caracas, para estudar na Universidade Central da Venezuela, a principal do país. Desde então, publicou cerca de 50 livros. Seu romance mais conhecido é “Percusión” (1982). Nos ensaios, analisa de tudo, a literatura de ontem e hoje, os críticos de literatura, ópera e artes plásticas. É autor também de reflexões sobre a arte cinética, tão presente na Venezuela.

 

 

Em suas entrevistas recentes, é difícil que a política e a crise do país seja o principal assunto. Suas preocupações estão de fato relacionadas à arte. Mas ele não se cala. Em entrevista recente ao “El País”, afirmou: “Não entendo por que demônios esta gente, desde Chávez até hoje, se empenhou tanto em destruir o país. Não podemos pensar que se trata de uma disputa ideológica. Não se trata de comunismo contra capitalismo, o que há na Venezuela hoje é apenas perversão humana, é a ideia de causar dano aos demais, e os mais destruídos são os pobres.”