Argentina: primárias indefinidas
A charge acima não é nova. O fantástico cartunista argentino Liniers a publicou às vésperas da eleição presidencial passada, em 2015, quando também havia muita indefinição sobre se haveria dois turnos e sobre quem ganharia: o candidato kirchnerista, então da situação, Daniel Scioli, ou o opositor, Mauricio Macri. Até poucos dias antes da votação, o número de indecisos era muito alto, e a imagem acima refletia bem isso e mais: quem não estava indeciso tampouco estava muito firme em sua decisão.
Eis que se passaram quatro anos, e a duas semanas das PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), o quadro eleitoral está completamente aberto. Mesmo os mais arriscados analistas políticos sugerem o que acham que pode acontecer com enorme cautela.
Primeiro, vale explicar o que são as PASO. Elas foram criadas por lei em 2011, durante a gestão da peronista Cristina Kirchner. O objetivo inicial era evitar a proliferação de candidaturas por alianças e partidos criados às pressas, e que dispersavam demais os votos no primeiro turno. Não adiantou muito. Na verdade, não adiantou quase nada. O que se costuma fazer desde então é, se um candidato crê que não tem como ganhar de outro na primária de seu partido, ele cria o seu próprio, ou entra para outra aliança. Então, pelo menos para os cargos mais importantes, não há internas. Nem o kirchnerismo, nem o governo, nem a chamada terceira via, que é a candidatura peronista alternativa, de Roberto Lavagna, terão disputa interna. Alberto Fernández e Cristina Kirchner serão os candidatos pelo kirchnerismo, Mauricio Macri e Miguel Ángel Pichetto, os candidatos governistas, e Lavagna com Juan Manuel Urtubey, a chapa dos peronistas ditos “moderados”.
O que sim as PASO definem são algumas disputas menores, em outros cargos, e o piso mínimo para a presidencial. Quem não atingir 1% dos votos nas primárias, não pode concorrer. Deste modo, a votação deste próximo 11 de agosto acabou virando uma espécie de pré-primeiro turno, porque vai mostrar a temperatura real da disputa e, dependendo do resultado, fazer com que alguns decidam por um voto útil já no verdadeiro primeiro turno, em 27 de outubro.
As PASO deste ano estão interessantes porque vão de fato permitir saber quem está na frente nessa corrida tão apertada. Cada dia, somos surpreendidos por novas pesquisas em que a distância entre os candidatos, embora mínima, é distinta da de outra pesquisa, e varia pouco quem está na frente. O fato que mais traz incerteza à disputa é o sempre alto número de indecisos, que está entre 15% e 20%, ou seja, podem definir o jogo.
O jornal La Nación resolveu calcular a média das onze pesquisas mais confiáveis e mais recentes divulgadas até aqui. E o resultado deu uma vitória de Alberto Fernández por 38,5%, contra 34,9% do atual presidente, Mauricio Macri. O terceiro lugar, Roberto Lavagna, não chegaria a 10% do eleitorado.
Se isso se mantiver, haverá um segundo turno. A Argentina tem um sistema de decisão do chamado “ballotage” um pouco diferente da maioria dos países. Para um candidato vencer já no primeiro turno, basta que tenha 45% mais um voto (e não 50% mais um voto). Ou, que vença com algo acima de 40%, porém, com uma diferença de 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado. Se nenhuma das condições se der, como mostra a média das pesquisas, os dois primeiros colocados vão ao segundo turno, ou seja, o chamado “ballotage”.
Assim como em 2015, parece não haver, por ora, muito entusiasmo por nenhuma das duas candidaturas, que, afinal, trazem candidatos já conhecidos e se fala em geral em “votar no menos pior”. As próximas duas semanas, porém, serão chave para ver se o humor de todos melhora ou se veremos cidadãos semi-hipnotizados, como retratou Liniers, caminhando às urnas em todo o país.