Vilões bonzinhos e barbudos

Sylvia Colombo

 

Um dos membros da gangue, em ação em uma noite fria de Buenos Aires (Foto Divulgação)

O inverno ainda não começou oficialmente, mas as noites de Buenos Aires já estão geladas. Como sempre, diversos movimentos sociais se organizam para ajudar os mais carentes com campanhas do agasalho, distribuição de sopas e de alimentos. O inusitado dos últimos invernos tem sido um grupo curioso que se juntou a esses bons samaritanos, os Bearded Villains (vilões barbudos) de Buenos Aires.

Na escuridão da noite portenha, eles podem assustar, com suas motos barulhentas, suas jaquetas e roupas de couro e suas longas barbas, olhos semi-escondidos por bonés. Mas estes sujeitos são “vilões” só no nome e na aparência, no fundo, têm corações tão grandes ou até maiores do que quem se fecha em casa e não compartilha nada nesses tempos de crise econômica brava na Argentina.

Filial local de uma “irmandade” internacional, promovem a caridade. O que, no rigoroso inverno daqui, se traduz em levar aos mais pobres uma refeição quentinha, feita a partir do trabalho voluntário. O grupo, que nasceu nos EUA há quatro anos, tem na Argentina 70 integrantes. O único requisito é ter uma barba de mais de quatro centímetros.

Ao distribuir comida, os “vilões” portenhos insistem em fazê-lo com calma. Não apenas entregam a refeição e vão embora, uma vez que outro dos lemas é estabelecer conexões. Assim, além do prato de comida, também oferecem um dedo de conversa. Para eles, trabalhar à noite é o ideal, uma vez que durante o dia possuem profissões regulares. Por Instragram, se conectam e trocam experiências com outros amigos que fazem trabalhos parecidos em outras Províncias do país.

Já são reconhecidos e esperados em várias zonas da cidade, onde muitas vezes lhes preparam uma fogueira, um presente em forma de desenhos feitos pelas crianças ou outros mimos. O presidente dos “Villains” argentino, Mauro Ponti, diz que a ideia do grupo é “desmistificar os preconceitos que existem sobre homens com barbas e tatuagens.”

A maioria se locomove de moto, mas cruza a cidade acompanhada de uma van onde viajam as refeições, os agasalhos recolhidos, as garrafas térmicas com café, chá e mate, além de alguns brinquedos para as crianças. As entregas ocorrem sempre às quartas-feiras. “Entendo que associem nossa imagem com violência, mas isso é um preconceito que queremos quebrar, inclusive estimulamos nossos colegas a postar fotos em família, mostrando amabilidade, temos, como todos os cidadãos deveriam ter, um compromisso com a sociedade”.

Quando não estão em função, ouvem música pesada, conversam sobre barbas e tatuagens, trocam pôsteres e pulseiras e também se juntam para um “asado” (churrasco) e uma cerveja aos domingos. “como qualquer grupo de amigos”, diz Ponti. Declaram não ter preferências políticas explícitas e afastam-se de qualquer pessoa que tente convencê-los a apoiar um ou outro partido. Tampouco se identificam com alguma religião em particular.