Quem vazou a entrevista censurada de Maduro a Jorge Ramos?
Em fevereiro deste ano, o jornalista mexicano-americano Jorge Ramos, da Univisión, conhecido pelo seu estilo agressivo de entrevistar figuras polêmicas, de Hugo Chávez a Donald Trump, havia conseguido marcar um encontro com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio de Miraflores. O que ocorreu, então, foi visto em todas as partes, Maduro usou o jornalista para dar um show de autoritarismo, terminou a entrevista de repente, ordenou que todo o material filmado, assim como câmeras e celulares da equipe de Ramos, fosse confiscado, e deportou a todos do país.
Pensávamos que nunca veríamos seu conteúdo, mas parece que em Miraflores não há apenas amigos de Maduro. Três meses depois, o jornalista recebeu “de fontes confidenciais” do próprio governo venezuelano o conteúdo da gravação, que foi ao ar pela Univisión nos EUA no domingo (2) à noite e logo disponibilizada via internet “para que todos na Venezuela possam ver”, disse Ramos, ao introduzir o conteúdo.
O clima é tenso desde o início. Ramos pergunta como deve chamá-lo, uma vez que 52 países não o reconhecem como presidente, assim como a oposição venezuelana. O ditador já mostra cara de irritado, mas responde calmamente: “Me chamo Nicolás, sou um trabalhador, sou popular, fui eleito presidente, estou te recebendo no Palácio de Miraflores. Portanto você conclua como deve me chamar”.
O que se segue são perguntas agudas e cortantes de Ramos, com respostas atravessadas de Maduro. O jornalista diz que sua eleição em 2013 foi acusada de fraude pelo opositor Henrique Capriles, Maduro diz que este “não aportou nenhuma evidência disso, nem um papelzinho”. Depois, Ramos diz que há muitas denúncias de irregularidades nas votações em que o chavismo saiu vencedor, Maduro rebate que o entrevistador tem que ser mais equilibrado: “você é um opositor de direita que vive nos EUA, um anti-revolucionário”.
A partir daí o clima esquenta. Maduro diz que já sabia que Ramos era um militante de extrema-direita, mas que aceitou dar a entrevista porque queria que “os venezuelanos que estão nos EUA não comprem o discurso de vocês”. Ramos segue repetindo que é um jornalista e que tem mais perguntas. Indaga sobre prisões políticas, assassinatos e torturas. Maduro diz que todos os seus números são falsos ou construídos por organizações, como a Human Rights Watch, “financiadas pela extrema-direita internacional”.
Maduro também usa de ironia ao dizer que os EUA estão “construindo uma narrativa para justificar uma invasão”, e acrescenta a pergunta: “Quando foi que o coração de Trump se abriu de repente para a América Latina? Isso é uma farsa!”. Ainda afirmou ter sido vítima de tentativas de golpe em 2014, de desestabilização do governo em 2017 (com as passeatas que duraram três meses e acabaram com mais de 160 mortos), ambos, segundo ele, por provocação da oposição.
Por fim, quando Ramos tenta entregar ao ditador uma pasta com a lista dos presos políticos no país, Maduro parte para uma linguagem ainda mais agressiva: “Se você fosse venezuelano, teria de responder sobre isso na Justiça. Porque está fazendo acusações sujas. Sua entrevista tomou o caminho da sujeira. Agarre seu lixo, você vai engolir com Coca-Cola essa sua provocação”.
Maduro se levanta e sai.
As respostas do ditador não surpreendem, são os mesmos argumentos que usa para sustentar sua propaganda. Tampouco o comportamento de Ramos, sempre incisivo e profissional. A surpresa é ver um Maduro balançado, abalado, destemperado e simplesmente fugindo da raia ao final, o que faz pensar um pouco sobre como deve estar complicado o ambiente em Miraflores.
De modo objetivo, porém, apenas uma pergunta fica no ar: quem vazou essa entrevista uma vez que o Sebin (serviço de inteligência bolivariano) teria ficado com todo o conteúdo? Como e com que propósito?