O fantasma dos falsos positivos volta a assustar a Colômbia

Imagem de oficial do Exército depois de operação no interior da Colômbia (Foto Arquivo)

Reportagem recente do “New York Times” ouvindo fontes do Exército colombiano revelou que, por ordens do governo, os oficiais estariam matando civis para cumprir metas de eliminação de grupos insurgentes e criminosos no interior do país (incluindo aí guerrilheiros, ex-guerrilheiros, narcos, ex-paramilitares), de maneira extra-judicial.

A matéria causou um grande redemoinho político, o próprio repórter da publicação norte-americana deixou o país temendo por sua segurança, e tanto governo como os cabeças das Forças Armadas agora começam a tentar explicar de onde teria surgido essa versão, verídica ou não.

O caso é que, se de fato confirmada, a terrível história não é incomum na Colômbia. Trata-se de uma ferida ainda aberta que remonta aos anos 2000. Até hoje, tanto o Exército quanto políticos que integraram a cúpula do governo Álvaro Uribe (2002-2010) estão sendo investigados ou são acusados de participar do chamado caso dos “falsos positivos”.

Para entender do que se trata, é preciso voltar um pouco àquele período. A Colômbia vivia já havia décadas lutando contra duas guerrilhas, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional), além de grupos criminosos e cartéis. Também estavam na ativa os paramilitares, grupos patrocinados por proprietários de terras, empresários _alguns supostamente também com apoio do governo_ com o objetivo de liquidar os primeiros. Ou seja, um cenário de violência constante que há muito saíra do controle dos que mandavam no país.

Até que, em 2008, vários militares foram indiciados e levados aos tribunais depois que familiares de vítimas denunciaram que seus parentes, civis, haviam sido mortos mesmo sem participar de nenhuma organização. As investigações mostraram que estes civis eram tomados pelos soldados para completar cotas de mortos que eram exigidas pelo comando do Exército. Em alguns casos, essas pessoas eram vestidas de guerrilheiros e armavam-se cenários para simular supostos enfrentamentos. Mas a verdade é que os assassinados nada mais eram que camponeses locais inocentes.

Segundo a Justiça, mais de 2 mil pessoas inocentes foram tomadas como “falsos positivos” e assassinadas durante o período. Até hoje, o esclarecimento completo de mais esse episódio sangrento da história colombiana não foi feito.

As metas de mortes por grupo de soldados eram estabelecidas para que se passasse a impressão de que o governo Uribe estava de fato eliminando os focos dos grupos insurgentes no interior do país. Quando se descobriu que grande parte das vítimas era civil e inocente, houve mobilizações nas ruas. Até hoje ainda se encontram, aqui e ali, fossas coletivas onde estão esses corpos.

O governo de Iván Duque está em problemas, como mostrei em reportagem no caderno Mundo. Um de suas dores de cabeça é, justamente, o enfrentamento com os grupos armados, tendo em vista que o Estado colombiano, antes de ele assumir, assinou um acordo de paz com uma das guerrilhas, as ex-Farc, agora transformada em partido político.

Por conta do acordo, Duque está obrigado a fornecer segurança aos ex-combatentes, uma vez que eles entregaram suas armas e a ajudar em sua inserção na sociedade, para que não voltem a delinquir nem se juntem a outros grupos criminosos. E isso não está acontecendo. Já houve 126 homicídios de ex-guerrilheiros e centenas de deserções.

Por outro lado, Duque se vê pressionado pelos EUA, que fornece enormes somas de dinheiro anuais para ajudar no combate ao narcotráfico e não vê resultado. Ao contrário. Desde que se assinou o acordo, no final de 2016, o número de hectares destinadas ao cultivo de coca para a produção de cocaína na Colômbia mais do que duplicou. Entre as razões, está a substituição da erradicação com químicos pela manual, que é mais lenta. Trump quer que Duque volte a fumigar as plantações, mas o acordo o impede. Outra razão pela qual é difícil avançar nessa área é que há outros grupos guerrilheiros com os quais Duque não quer negociar uma paz com anistias, e além deles, cartéis de narco, todos ocupando o espaço que era das Farc.

Tudo isso joga Duque contra a parede e faz com que a pressão para que atinja as metas de pacificar o país e diminuir o narcotráfico seja imensa. Não temos a comprovação oficial de que o Executivo de fato tenha voltado a pedir ao Exército que cumpra “metas” matando civis, o que seria um retorno ao pesadelo dos “falsos positivos”. Mas apenas a sugestão oferecida pelas evidências apresentadas pela reportagem do “New York Times” coloca o presidente colombiano novamente diante da difícil tarefa de dar uma resposta a essas questões.