Ida Vitale recebe o Cervantes e lança memórias

A poeta e ensaísta uruguaia Ida Vitale, que nesta semana recebe o prêmio Cervantes (Foto Divulgação)

A poeta e ensaísta uruguaia Ida Vitale, 95, receberá na próxima terça-feira (23), o prêmio Cervantes, o principal da língua espanhola, em Madri, em uma cerimônia presidida pelo rei da Espanha, Felipe 6o. Depois, terá uma semana cheia de homenagens e leituras de sua obra realizadas na cidade, entre elas uma que ocorrerá na mítica Residencia de Estudiantes, onde conviveram nada menos que Salvador Dalí (1904-1989), Luis Buñuel (1900-1983) e Federico García Lorca (1898-1936).

Vitale é a quinta mulher premiada pelo Cervantes, que pela primeira vez, no lugar de alternar um autor espanhol com um latino-americano, premia duas vezes seguidas autores latino-americanos. O do ano passado foi o nicaraguense Sergio Ramírez.

A escritora se insere na tradição das vanguardas da região, e sua obra está caracterizada por poemas curtos que estudam o sentido das palavras. Sua trajetória já havia sido celebrada com os prêmios Octavio Paz, Alfonso Reyes, Reina Sofia e o Max Jacob.

Começou a escrever muito cedo. Nascida em Montevidéu em 1923, em uma família de imigrantes italianos, consumia o que, naquele tempo, era muito comum, diversas revistas e suplementos culturais editados ali e em Buenos Aires. Escreveu em publicações uruguaias famosas, como o semanário “Marcha”e a revista “Maldoror”.

Passou grande parte de sua vida fora do país, primeiro no México, depois na Europa e, por fim, nos EUA. Foi casada com o crítico literário Ángel Rama (1926-1983), autor de uma longa bibliografia sobre literatura latino-americana, como a obra clássica “La Ciudad Letrada”, de 1984.

Uma parte da história de Vitale também surge nas livrarias uruguaias agora, trata-se do volume “Shakespeare Palace – Mosaicos de Mi Vida en México” (ed. Lumen, importado), em que conta seus primeiros passos fora do Uruguai e a descoberta do mundo das letras e da megalópolis que é a Cidade do México.

Seu encanto com essa cidade do norte começou cedo, nos anos 1940, quando, como conta no livro, caminhava pelas ruas de Montevidéu com uma amiga tentando encontrar uma maneira de sair dali para um lugar onde poderiam cursar uma carreira de humanidades, especificamente de letras, em uma grande universidade. O México era um sonho distante, mas elas buscaram, por meio de autores e de visitas à embaixada, uma forma de conseguir uma bolsa de estudos e recursos para ir para lá. Naquele momento, foi em vão.

Com o tempo, porém, veio a oportunidade, ainda que forçada. A ditadura uruguaia (1973-1985), a obrigou a deixar o país com toda a família. Os filhos já haviam buscado refúgio na Venezuela, que é sua primeira parada descrita no livro. Aí vemos uma Caracas muito diferente da que sangra hoje nos noticiários. É a dos anos 1970, de braços abertos para receber intelectuais e demais exilados políticos do Cone Sul, e que tinha uma vida cultural fervilhante.

No México, encontra-se com o Nobel Octavio Paz (1914-1998), que a introduz na famosa revista “Vuelta”e no prestigioso “Colegio de Mexico”. Apesar de contar ao longo do volume a nostalgia que sentia pelo Uruguai, a efervescência do cenário cultural mexicano a tomou por completo. Ela faz um relato minucioso e muito atento com relação às várias figuras do mundo intelectual que conhece pessoalmente aí.

Vitale regressou em vários momentos ao Uruguai após a ditadura, mas nunca para ficar. Apenas no ano passado, tomou a decisão de passar sua última etapa da vida em sua cidade-natal, Montevidéu, onde segue sendo celebrada.