Medellín explode parte do legado de Pablo Escobar

O edifício Mónaco, onde viveu Pablo Escobar, no bairro de El Poblado, em Medellín (Foto BBC)

Na última sexta-feira (22), a cidade colombiana de Medellín, que uma vez foi sede do mais cruel cartel de narcotráfico do mundo, deu mais um passo na tentativa de desvincular seu nome desse triste e sangrento passado. Nos últimos meses, a prefeitura local tem investido em acabar com os tours para estrangeiros dedicados a mostrar por onde passou, viveu e atuou Pablo Escobar (1949-1993), remover placas e lembranças celebratórias de sua existência, desalentar os vendedores de camisetas e souvenires com a imagem do criminoso e outras ações. A mais simbólica delas ocorreu nesse dia, quando se dinamitou o famoso edifício Mónaco, onde Escobar viveu com sua família.

Não foi o primeiro ataque ao Mónaco, que já tinha sido alvo de um atentado em 13 de janeiro de 1988. Naquele dia, o Cartel de Cali, então principal inimigo do Cartel de Medellín estacionou um carro-bomba com 80kg de dinamite diante do edifício. Escobar não estava, mas foram feridos, além de outros moradores do prédio, alguns familiares do bandido.

Localizado numa região nobre do setor El Poblado, o Mónaco tinha oito andares (Escobar vivia no último), tinha duas piscinas e uma quadra de tênis. Dentro de seu apartamento, o narcotraficante manteve por muito tempo uma coleção de obras de arte e dinheiro vivo. Ali também se realizavam reuniões para decidir atentados e coordenar as ações do cartel. Depois do ataque, Escobar e família se mudaram e estiveram em endereços transitórios por conta da perseguição, embora passassem a maior parte do tempo na fazenda Nápoles. Ali, o narcotraficante montou um zoológico particular, havia uma pista de pouso para aviões e um espaço para festas.

O prefeito da cidade de Medellín, Federico Gutiérrez, quer fazer do espaço livre aberto após a derrubada do Mónaco um parque da memória, para lembrar as vítimas do cartel. A decisão de tentar “apagar” a lembrança de Escobar de Medellín levanta discussão na cidade. Nem todos creem que apenas derrubando edifícios e símbolos se resolve o problema.

Em conversa recente com a Folha, por exemplo, o escritor Jorge Franco, nascido na cidade, crê que se poderia manter os tours, por exemplo, mas mudar o discurso. Em vez do tom elogioso em relação às façanhas de Escobar, deveria-se contar a história do ponto de vista da violência, das vítimas, em tom didático, não de entretenimento. “Não se pode apagar a história, todos têm de conhecê-la, mas saber que não é uma história bonita, e sim uma que trouxe dor, morte e um trauma para os que vivem aí”, disse. Sem dúvida, uma das saídas é investir na educação e no ensino crítico da história.

No passado, por exemplo, o Cartel de Medellín destruiu, com uma bomba, uma das estátuas do escultor Fernando Botero que está numa das praças da cidade. O artista fez, então, uma nova e entregou à municipalidade, mas com uma condição, que a antiga, destruída, permanecesse no mesmo lugar. Ele afirmava que isso era contar a história da cidade, deixando suas chagas à mostra. Parece um bom exemplo do que deve ser feito.

Ainda que as ações da prefeitura sejam questionáveis, é saudável que Medellín esteja avançando na revisão e no questionamento de seu passado. Não se trata de reescrever a história, mas fornecer aos cidadãos informações e recursos para a reflexão. Isso só o Estado, por meio da educação e de medidas públicas pode fazer. Se deixarmos na mão dos que exploram a história do narcotráfico por seu suposto glamour, como faz a série “Narcos”, da Netflix, e tantos outros produtos da indústria do entretenimento, estaremos jogando do lado dos bandidos.

O edifício caiu em questão de segundos (veja o vídeo abaixo, produzido pelo jornal El Tiempo). Quando desabou, foi possível ouvir aplausos e xingamentos a Escobar.