Semanas, ou dias, decisivos para a estratégia Guaidó

Sylvia Colombo
O líder opositor e presidente encarregado da Venezuela, Juan Guaidó (foto El Nacional)

Por incrível que pareça, tem sido mais difícil na Venezuela ter sua imagem respeitada como líder opositor do que como um ditador ou autocrata. Claro que os números das pesquisas não negam que mais de 80% da população quer que Nicolás Maduro saia do governo imediatamente. Tirá-lo de fato é outra história. O que parecia fácil pela pura emoção instintiva do último dia 23 de janeiro, agora mostra suas complicações.

Uma delas é a relação da população com os opositores do chavismo. Se olharmos em retrospectiva, a maioria deles cometeu tantos erros, acovardou-se em momentos-chave ou entregou-se a acordos nebulosos com o regime, que qualquer eleitor mediano guarda sérias dúvidas com relação às alternativas que surgem. Por ora, Guaidó tem vencido essa batalha, arregimentando multidões a segui-lo, mas terá fôlego para o que vem por aí?

Dou uma repassada pelas experiências recentes. Henrique Capriles, que enfrentou Chávez na eleição de 2013, tinha convicção naquela noite de que havia ganho e que o governo fraudara os números. Assim também pensavam seus colegas de oposição. O hoje preso político Leopoldo López o instou a ir para as ruas, “vamos fazer barulho porque você ganhou e a hora de tomar o poder é essa”, teria dito López a Capriles, segundo relato do próprio Capriles à Folha. E qual foi a decisão de Capriles? Não fazer nada. Nessa mesma entrevista, Capriles me disse: “eu temia um banho de sangue, mas não imaginei que o banho de sangue viesse depois”. Capriles, hoje, tem seus direitos políticos anulados.

Depois veio Leopoldo López, achando que sua entrega às autoridades, em 2014, de forma transmitida na imagem de um mártir carregado em meio ao povo levaria a população a levantar-se, a tirá-lo da prisão e a alçá-lo à Presidência. Não foi assim. Depois de aguentar uns anos detrás das grades, está em sua casa, em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica e, também, sem direitos políticos.

A seguinte estratégia da oposição foi inteligente, chamar um referendo com presença recorde de eleitores, em julho de 2017, para pedir “diretas-já”. Foi uma vitória acachapante em termos de números. Só que a ditadura foi mais esperta. Em vez de entregar de bandeja o que queriam os opositores, os convenceu a intermináveis e infrutíferas negociações na República Dominicana, com supervisão do Vaticano. Maduro enganou a todos, disse que as eleições daí em diante seriam limpas e pediu que os opositores apenas respeitassem o seu mandato até o fim. A oposição fez a parte dela, o governo, não.

Maduro ainda elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte e, com ela, esvaziou o parlamento legalmente eleito e com maioria opositora. Depois, realizou eleições locais e presidenciais completamente manipuladas. Na presidencial, com um opositor que também amarelou na reta final, Henri Falcón _hoje até mesmo esquecido pelos colegas. A opinião geral da sociedade, principalmente dos anti-chavistas, era que Maduro tinha feito a todos de bobos. E era verdade.

A opção Guaidó não surgiu da noite para a manhã, como mostrou recentemente em um ótimo artigo Javier Lafuente, no “El País”. Com a maior parte de seus principais nomes no exílio, como Julio Borges, ex-líder da Assembleia, Carlos Vecchio e outros, começou uma paciente e lenta construção de uma nova opção, de preferência com uma nova cara. A estratégia seria colocar à frente um rostro novo, fresco e simpático: Guaidó. Segundo, esperar a posse de Maduro no dia 10 de janeiro para seu suposto novo mandato. E, a partir daí, seguindo os ritos institucionais, declarar o cargo vago pela ilegalidade da eleição de maio de 2018. Nesse cenário, mais uma vez, vale reforçar, Guaidó não tomou a ação isolada de “se autoproclamar” presidente. Mas sim, cumpriu o que está escrito na lei e que era seu dever.

Como a Assembleia Nacional considerava o cargo presidencial vazio, Guaidó, como presidente da casa e próximo na linha de sucessão, jurou como presidente encarregado, com a função única de liderar a transição e chamar novas eleições.

O momento na Venezuela ainda é pró-Guaidó. As pessoas escutam o que ele diz, se entusiasmam com ele, comparecem em massa a marchas e atos e estão prontas a ajudar a fazer com que a ajuda humanitária, por exemplo, de fato entre na Venezuela.

Só que, cada dia a mais que Maduro permanece no poder é uma pequena derrota para Guaidó e para aqueles que formularam essa opção. Mais de uma vez o movimento oposicionista perdeu o “timing” e a paciência das pessoas, que se torna mais curto quando há poucos avanços e o número de mortos nas ruas aumenta. Assim, o fantasma da resignação, que reinou em 2018 no país, tende a ir reaparecendo se nada mudar de fato, e rápido.

Guaidó e os articuladores dessa articulação conseguiram muito em pouco tempo, agregar apoios internos e externos, tornar a causa uma causa mundial, levar a população às ruas de modo numeroso novamente. Porém, as dificuldades práticas são evidentes. Como convencer Maduro a sair ou a renunciar, evitando banhos de sangue? Como dar seguimento a uma iniciativa fundamental, que é a de realizar eleições livres sem demitir todos os ocupantes de cargos do CNE (Conselho Nacional Eleitoral), órgão totalmente chavista, e reformula-lo? E como trazer para si não apenas os militares, mas promover o desarme dos esquadrões da morte, que hoje são muito mais letais na repressão _parte dos coletivos, o Faes e o Conas?

Para que a população siga com ele, Guaidó precisa atingir resultados mais concretos rapidamente. O reforço para garantir a entrada da ajuda humanitária seria uma grande primeira vitória e uma bandeira necessária e essencial para seguir com o movimento.

Se o processo se estender por mais semanas, que é a estratégia de Maduro, Guaidó corre o risco de entrar para a galeria dos que tentaram algo e, ao final, capitularam.