Duque não pode menosprezar a pacificação do país

Sylvia Colombo
Zona restringida ao público, após o atentado em Bogotá (Foto Página 12)

Os uribistas não queriam o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Gostavam de ter a guerrilha como inimiga para unificar o país detrás de si e assim justificar sua política de mão-dura. Foi isso que deu popularidade a Álvaro Uribe (2002-2010) e impulsou a campanha de Iván Duque, no poder desde agosto de 2018.

Mais moderado que o padrinho, Duque havia dito à Folha que “a paz não é o único assunto da Colômbia”. De fato, não é. Os colombianos também votaram nele por suas propostas nas áreas de economia, educação, saúde e investimentos em infraestrutura. Porém, fechar os olhos para um assunto como a paz, num país como a Colômbia, simplesmente não irá deixa-lo cumprir com nenhum dos outros pontos da agenda.

Desde a campanha eleitoral, Duque prometeu que não “rasgaria em pedaços” (para usar a expressão da época) o acordo, mas que faria as coisas à sua maneira. Basicamente, isso significou atrasar o quanto fosse possível o trabalho da JEP (Justiça Especial de Paz), o tribunal para ex-guerrilheiros e ex-militares que define as polêmicas anistias e penas alternativas, tentar remendar o acordo no quesito que trata de narcotráfico como crime passível de indulto e colocar o foco mesmo apenas no mais fácil, a política de reinserção dos ex-guerrilheiros na sociedade. A batata quente com que Duque também não mostrou alternativas ainda para lidar é a intensa pressão dos EUA para que se retomem as fumigações aéreas para terminar com os territórios dedicados à plantação de coca para a produção de cocaína, que dobrou nos últimos tempos.

Mas tudo isso é “apenas” o capítulo “Farc”. Só que a violência na Colômbia é histórica, e mesmo hoje, as ex-Farc eram apenas o bode na sala. No campo colombiano se enfrentam diversos grupos, os ainda ideológicos como o ELN (Exército de Libertação Nacional), os ex-paramilitares e os cartéis da droga (Bacrim ou bandas criminales). A divisão tampouco é clara, como definiu outro dia numa conversa com a Folha o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, “virou um tudo junto e misturado”.

O que fazer com isso? Enquanto titubeia, Duque leva o primeiro susto de verdade de sua gestão.

Um carro-bomba explodiu nesta quinta-feira (17) na Escola de Polícia General Santander de Bogotá, deixando mais de 20 mortos e 65 feridos. Sem ter sido reivindicado até agora por nenhum grupo, o atentado foi atribuído a José Aldemar Rojas Rodríguez, identificado como o motorista do carro, que ingressou na escola. Apesar de não ter antecedentes penais, Rojas Rodríguez se movimentava entre as zonas de Boyacá e Tolima, onde o ELN (Exército de Libertação Nacional) atua. A polícia ainda investiga se ele tinha conexões com o grupo.

Se de fato o atentado estiver ligado a essa que é a maior guerrilha ainda ativa na Colômbia, com cerca de 1,5 mil integrantes, Duque terá cometido um grave erro ao suspender os diálogos, iniciados na gestão de Juan Manuel Santos (2010-2018). É certo que a guerrilha colocava muitas dificuldades para as negociações, uma vez que não parava, como era requisitado, de sequestrar e extorquir enquanto estava dialogando, com a desculpa de que, sem isso, não tinha meios de sobreviver. Santos havia sido paciente, e havia chegado mesmo a um cessar-fogo bilateral. Já Duque virou a mesa e disse que não seriam retomadas as conversas até que os atentados parassem. Se de fato a bomba na escola militar estiver ligada ao ELN, há que se culpar a falta de paciência e de maleabilidade política de Duque.

Se o atentado não estiver conectado a essa guerrilha, ainda assim demonstra que Duque está sem controle do combo “tudo junto e misturado”, que toma conta de vários territórios do país e segue ameaçando a população. Era sabido desde a negociação com as Farc que não bastava assinar a paz com essa guerrilha, era necessário também pacificar o resto do país, neutralizado as outras guerrilhas, cartéis, combos de ex-paras e ex-guerrilheiros, as dissidências com as Farc e mesmo algum “lobo solitário” ligado a seus reclamos, se for esse o caso.