Silvina Ocampo sai das sombras

Sylvia Colombo
A escritora Silvina Ocampo, cuja obra e trajetória são motivo de revisão na Argentina (Foto Divulgação)

Uma das figuras mais misteriosas da famosa geração de escritores argentinos a que pertenceu Jorge Luis Borges (1899-1986) e Adolfo Bioy Casares (1914-1999) tem sua obra revista, 25 anos depois de sua morte. Trata-se de Silvina Ocampo (1903-1993), casada com Bioy e irmã mais nova da escritora e agitadora cultural Victoria Ocampo (1890-1979).

O poder midiático e a fama desses três parceiros de vida opacaram a obra e a vida de Silvina, tida como tímida, calada, introspectiva, mas cuja obra hoje é elevada novamente pela crítica, assim como sua trajetória passou a ser objeto de estudos.

O mais recente deles é o da escritora Mariana Enriquez, 45, jovem talento literário local, autora de “Las Cosas que Perdimos en el Fuego”, lançado no Brasil pela Intrínseca. Ela acaba de lançar “La Hermana Menor – Un Retrato de Silvina Ocampo”, uma espécie de ensaio biográfico sobre Silvina, que não revela todos os seus mistérios, pois segundo Enriquez “manter uma aura de segredo foi sempre seu desejo”, mas faz justiça à sua obra. A autora conseguiu entrevistar alguns sobreviventes dessa época, como alguns amigos de Silvina, entre elas María Esther Vázquez, ex-namorada de Borges, pouco antes de morrer.

 

 

Enríquez conta que encontrou diferenças nos relatos, mas também que os estereótipos mais comuns ligados a ela são corretos, era uma pessoa excêntrica, e cuja morbidez e sexualidade ambígua que estão em seus escritos correspondem a questões pessoais da autora. Enríquez crê que até hoje prevaleceu uma visão machista de Silvina, como a irmã mais débil da ativa Victoria, de mulher de um sujeito mulherengo (ele o era) como Bioy Casares, mas o livro resgata que entre o casal havia uma espécie de pacto e que Silvina estava longe de se ver como vítima do marido _ao contrário, tinha ela também suas aventuras silenciosas.

Enríquez dá a ela uma nova áurea, de uma mulher vanguardista, por colocar sua androginia, sua visão particular do casamento e do lugar da mulher na sociedade em uma outra categoria. Diferentemente da irmã, a esbelta e sempre bem vestida Victoria, Silvina era relaxada com o visual, o que reforçava sua sexualidade dúbia.

Como sequer um diário ela levou durante a vida, é ainda mais difícil recuperar seus pensamentos, ainda mais com as principais pessoas de seu círculo mais próximo tendo morrido. Enríquez não pôde comprovar, por exemplo, ser um fato que ela tenha tido um romance com a escritora e poeta Alejandra Pizarnik (1936-1972), embora esta última tenha deixado relatos de uma paixão crônica por Silvina. Mas sim de outros casos com mulheres, e a sugestão de uma relação especial com Borges, travestida de jogo intelectual, mas que pode ter ido além. A ela, com quem fazia caminhadas e mantinha longas conversas, Borges dedicou um de seus melhores contos, o “Pierre Menard, Autor del Quijote”.

Filha de uma família de aristocrática, começou a publicar aos 34 anos, viveu uma longa vida, ao final atormentada pelo Alzheimer. Seu resgate começou quando o chileno Roberto Bolaño (1953-2003) elogiou sua obra. Resgate que, agora, felizmente, segue.