Peña Nieto, um melancólico adeus

Sylvia Colombo
O ex-presidente mexicano Enrique Peña Nieto (El Universal)

Quando estreou como presidente do México, em 2012, Enrique Peña Nieto, 52, surfava numa onda de esperança. O país vivia um bom momento econômico, tinha previsão de crescimento de 4% a 6% do PIB e era chamado de “tigre asteca”. Sua aposta pelo pólo industrial de automóveis e outras fábricas no centro do país era vista como um “case” de sucesso. Também foram bem recebidas, principalmente no exterior, suas reformas energética, tributária e educacional. Um inédito acordo entre partidos, o Pacto por México, que reunia a esquerda, o centro e a direita, lhe davam respaldo para aprovar leis no Congresso.

Porém, logo os problemas começaram a se mostrar maiores do que sua capacidade de resolvê-los. Antes de mais nada, o da violência. Anunciando que trocaria a brutal “guerra ao narcotráfico” dos anos do PAN (Partido da Aliança Nacional) por um esquema mais focado em descabeçar os grandes cartéis, realizou prisões de líderes e anunciou acordos com as chamadas “autodefensas”, ou milícias cidadãs. Não deu certo, os cartéis, com sua enorme capacidade mutante, iam se deslocando, horizontalizando e fragmentando sua hierarquia, e se tornaram mais poderosos e mais difíceis de rastrear. Peña Nieto teve de voltar com a mão pesada, e o resultado foi um ano recorde em homicídios.

Nesta nova guerra, são mortas 85 pessoas por dia, colocando o país como um dos que têm uma das taxas mais altas da América Latina (25 assassinatos por cada 100 mil habitantes)

Em 2018, foram mais de 22 mil assassinatos. Inclui-se nesse capítulo a desaparição, ainda não explicada, dos 43 estudantes da escola rural de Ayotzinapa, cujo esclarecimento ainda não foi feito de todo, mas aponta para uma “solução” encontrada por autoridades locais em conluio com um cartel e talvez também com o Exército para matar os garotos. Não apenas o fato é uma tragédia, como o governo lidou muito mal com isso, apresentando uma versão que depois foi desautorizada por organismos estrangeiros que foram investigar o caso.

Outro tema a ressaltar ainda no capítulo violência é a morte de jornalistas. Foram 44 no sexênio de Peña Nieto, a maioria morta ou por cartéis ou a mando de políticos locais que são financiados por cartéis. Com isso, o México se coloca como o lugar mais perigoso para um jornalista exercer sua profissão na América Latina. E o prejuízo vai além da tragédia da perda dessas vidas. A maioria dos mortos são jornalistas que cobrem o interior do país, e que muitas vezes são fontes valiosas para os jornais que existem nas grandes cidades. O desaparecimento deles faz com que grandes regiões sofram um verdadeiro apagão informativo.

Em suma, Peña Nieto, que havia prometido amenizar o efeito da “guerra ao narcotráfico” iniciada em 2006 por Felipe Calderón, deixou nada menos que um saldo de 19% mais mortos do que seu antecessor. 

Mas há outros flancos que foram desgastando o presidente.

Hoje, cerca de 8 de cada 10 mexicanos crê que EPN foi um mau mandatário e que deixou o país pior do que estava. Um desses temas é a corrupção. Diversos membros da cúpula do governo foram pegos cometendo delitos, tráfico de influência, desvios de verbas e ganhando com o superfaturamento de obras. Mas o caso mais emblemático acabou sendo protagonizado pela própria primeira-dama, a ex-atriz Angélica Rivera, que comprou por um preço ridículo, de um empresário beneficiado com a concessão de obras do Estado, uma mansão avaliada em US$ 7 milhões. O caso, conhecido como “o escândalo da Casa Branca” demoliu a popularidade do presidente.

 

 

 

 

 

Um terceiro aspecto negativo foi o modo como Peña Nieto lidou com as humilhações de que os mexicanos vêm sendo vítimas, desde 2016, quando Donald Trump estava em campanha. Desde os comentários racistas às afirmações dizendo que o país teria de pagar pelo “muro” na fronteira, causaram imensa bronca entre os mexicanos, que exigiram de Peña Nieto que protegesse o país. O então presidente, porém, não fez isso, ao contrário, recebeu Trump candidato numa ridícula visita, em que foi também humilhado pelo americano, e depois foi obrigado a aceitar o acordo que substituirá o Nafta, em que o México sairá perdendo. Em nada disso se mostrou abalado. A última peça que faltava ocorreu há alguns dias, aqui em Buenos Aires, quando Peña Nieto condecorou nada menos que Jared Kushner, durante o G20.

Por sorte o México tem essa cláusula pétrea na Constituição, herança da Revolução de 1910, que impede que um presidente se reeleja em qualquer circunstância. Peña Nieto também disse que se retira da vida pública. Não vai deixar saudades.