A incrível fuga das tupamaras de uma prisão no Uruguai

Para quem gosta de história e para os que se emocionaram com o filme “Uma Noite de Doze Anos”, que conta a prisão dos tupamaros Mauricio Rosencof, Eleuterio Fernández Huidobro e José “Pepe” Mujica, acaba de sair um livro-reportagem imperdível. Por ora, apenas em espanhol. Trata-se de “38 Estrellas – La Mayor Fuga de Una Cárcel de Mujeres de la História” (ed. Seix Barral, importado), da jornalista argentina Josefina Licitra, um dos expoentes do jornalismo narrativo local.

Licitra conta que topou com o assunto um pouco por acaso, quando estava no Uruguai, trabalhando num perfil de Mujica. Ao entrevistar sua mulher, a hoje vice-presidente do país, Lucía Topolansky, esta mencionou a Operação Estrella, uma fuga de prisioneiras políticas de uma prisão feminina de Montevidéu em 30 de julho de 1971, na qual esteve envolvida sua irmã, María Elia, conhecida como “La Parda”, uma das líderes dos tupamaros quando ela, Lucía, estava apenas começando na militância.

A jornalista considerou estranho haver muito pouco registro dessa fuga, uma vez que outra, que ocorreria dois meses depois, na penitenciária de Punta Carretas (hoje um famoso shopping da capital uruguaia), ficaria muito mais famosa. De lá, 111 presos políticos, Mujica incluído, escaparam também de modo cinematográfico. Licitra considera que a escala dessa fuga masculina, e também o fato de a Operação Estrella ter sido protagonizada por mulheres, acabou levando a fuga feminina a ser pouco registrada.

Eu acrescentaria mais um fato que explica a falta de registros sobre o episódio. É constante deparar com histórias mal-contadas ou semi-contadas de eventos da arriscada aventura tupamara, e isso tem a ver com o pacto de silêncio que a maioria de seus integrantes fizeram de não falar do que fizeram, nem de delitos que cometeram nem de glórias que alcançaram. Mesmo o “russo” Mauricio Rosencof, em seus livros maravilhosos, como “Las Cartas que Nunca Llegaron”, se priva de vários detalhes, como quem diz, “até aqui, conto”.

Pois a dívida ficou saldada com esse livro que se lê como um enredo de suspense político. Licitra entrevistou sobreviventes, conheceu o lugar e o descreve com clareza numa narrativa muito envolvente.

As presas encontravam-se numa cadeia improvisada, um convento em que a madre superiora tinha muito preconceito com as prisioneiras ligadas ao Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros (MLN-T). Para ela, as presas comuns eram sua principal preocupação, pois eram católicas e buscavam a redenção por meio do trabalho. Já as tupamaras se declaravam de cara como atéias, e não tinham nenhum interesse nas atividades do dia-a-dia, passavam o dia conspirando sobre como sair dali, ou falando da militância e da “revolução”. Licitra conta como foi o planejamento, passo a passo, em comunicação constante com as lideranças do lado de fora. Uma vez que, nas visitas de familiares, era possível enrolar pequenos papeizinhos com informações importantes para armar o plano de fuga.

“La Parda” tem uma posição de destaque desde antes da prisão, quando comandava um dos centros clandestinos dos tupamaros fora da cidade de Montevidéu. Já encarcerada, é ela quem convence as outras a escapar, e começa um trabalho de observação das regras e procedimentos do convento. Se convencem, por exemplo, que num primeiro momento a única saída possível era pela entrada principal da Igreja e num espaço de tempo muito curto, a saída da missa das 9 da manhã de domingo, quando as portas eram abertas para o público. A questão, porém, é que elas tinham se declarado atéias, e portanto não podiam apresentar um súbito interesse em ir à missa. Acabam armando um plano em que umas se ofereciam para cantar, outras a reparar coisas na capela, até que todas tivessem acesso ao local. As coisas se complicaram, porém, quando a fuga, organizada para um número pequeno de presas, teve de ser replanejada ao “caírem” mais companheiras do lado de fora.

A segunda alternativa que vai se construindo é a de abrir um túnel, usando o material de costura que as freiras lhes davam para que fizessem cachecóis. Nada disso, elas preferiram usá-lo para medir os tamanhos e calcular como deveriam ir cavando. Licitra conta que se deparou, nas entrevistas, com distintas maneiras de contar a história e de descrever as companheiras, mas que o fio essencial da trama era o mesmo. E, ao final, se concretiza a fuga.

A maior fuga de mulheres de uma prisão do mundo só é superada pela fuga de abril de 2014, de 300 reclusas numa prisão chilena. Mas essas escaparam devido a uma tragédia natural, o terremoto de 8,2 graus que simplesmente lhes abriu as portas da liberdade derrubando as paredes da prisão.

O destino das liberadas foram distintos, algumas foram presas novamente, outras entraram com mais garra na luta armada, que foi se radicalizando ainda mais nos anos seguintes. Logo a ideia de colocar presos políticos em conventos teve de ser abandonada, a caça aos tupamaros e a violência dos enfrentamentos atingiu níveis mais altos.