Óscar Romero virou santo, mas não obteve Justiça

Sylvia Colombo
O monsenhor Óscar Romero, assassinado em El Salvador (Foto Arquivo)

Foi um dia de festa na sofrida El Salvador, um dos países mais violentos do mundo. Depois de muitos anos engavetado, o projeto de canonização do monsenhor Óscar Romero ganhou vida, e hoje ele virou santo pelas mãos do papa Francisco. Um santo bem de acordo com o perfil do atual pontífice, politizado e engajado na luta dos pobres contra as tiranias. Nesse caso, a história de Óscar Romero é bem essa. Durante os anos em que atuou, foi um dos símbolos da resistência à ditadura militar que provocou e alimentou a sangrenta guerra civil que o país viveu entre 1979 e 1992. Em público e em seus sermões, Romero denunciava desaparições, torturas e assassinatos.

Como se não bastasse sua atuação, está o simbolismo de sua morte, que foi durante um sermão, quando ele estava de costas, por um atirador até hoje desconhecido. Era, até onde se pôde investigar, um integrante de um dos vários esquadrões da morte que apoiavam os militares, e ocorreu em 24 de março de 1980.

Romero não era um clássico religioso ligado à Teologia da Libertação. Ao contrário, tinha várias críticas ao movimento que engajava os padres na política. Toda sua formação foi a de um religioso conservador.

Porém, o recrudescimento da guerra civil em El Salvador o fez tomar partido, e passou a mostrar simpatia aos padres que eram membros do movimento e que viajavam às regiões remotas e pobres do paíspara dizer aos fiéis mais humildes que sua pobreza não era uma vontade de Deus, mas consequência de uma injustiça política e social e que, portanto, não havia que resignar-se.

Sua fama foi crescendo, com sermões transmitidos pelo rádio e seu nome sendo conhecido pelos meios, o que fez com que setores conservadores da sociedade passassem a hostiliza-lo. No dia em que foi assassinado, houve até fogos de artifício em comemoração nos bairros nobres de San Salvador.

Afinal, em seus últimos sermões, Romero vinha pedindo abertamente que os militares parassem com as desaparições, as torturas e os assassinatos. “Em nome de Deus e dessa população que sofre e cujos gritos sobem aos Céus todos os dias, eu peço, eu ordeno que vocês, em nome de Deus, parem com a repressão”, disse em sua última missa antes de ser alvejado no próprio altar.

Não adiantou, e ainda teve mais. Em seu funeral, o Exército abriu fogo contra a multidão de mais de 100 mil pessoas que o acompanhava. Não há número oficial de quantos morreram aí. Ao todo, a estimativa é de mais de 75 mil mortos durante o período da guerra civil.

É importante que a luta de Óscar Romero seja lembrada e a canonização é uma forma de imortalizá-la. Mas, mais eficiente ainda, seria que se fizesse Justiça de verdade. Desde revelar quem foram os executores do crime contra ele e contra os fiéis que foram a seu funeral, até julga-los e condena-los de acordo com a lei dos homens. A canonização é um ato simbólico, e se refere apenas aos que seguem a sua religião. De modo geral, não houve esclarecimento dos fatos nem julgamento dos responsáveis pelo assassinato do padre e do massacre de seus fiéis.