Filha de Macri estreia na direção de cinema
Num país tão polarizado e politizado como a Argentina, o fato de um filme sobre uma anarquista morta nos anos 1990 dirigido pela filha de um presidente de centro-direita poderia causar algum ruído. Mas tenho achado bastante civilizado o modo como, em reportagens, críticas e comentários a “Soledad”, produção que estreia nesta semana no país, tem separado Agustina Macri, primogênita do presidente argentino, fruto de seu primeiro casamento, da figura do pai.
Na verdade, “Soledad” é parte de uma nova safra de bons filmes argentinos estreados recentemente. Outro deles é “El Angel”, de Luis Ortega, baseado na história de um jovem serial killer condenado por 11 assassinatos e que está preso desde 1973. Vale mencionar também “Mi Obra Maestra”, de Gastón Duprat, uma comédia dramática em que um artista plástico arruinado, Renzo (Luis Brandoni) é resgatado pelas artimanhas nada éticas de seu agente, Arturo (Guillermo Francella).
Voltando a “Soledad”, o filme se baseia no livro do escritor e jornalista Martín Caparrós “Amor y Anarquía”, de 2003. Conta a história real de uma jovem nascida e criada num bairro nobre de Buenos Aires, mas cuja rebeldia se revela muito cedo. Na capital argentina, ela estuda turismo e, para ganhar uns trocados, trabalha como passeadora de cachorros _uma figura bastante comum e conhecida pelos portenhos. A atriz que a interpreta também é filha de alguém famoso. Trata-se de Vera Spinetta, filha do astro maior do rock nacional, Luis Alberto Spinetta.
Em 1997, aos 23, Soledad decide mudar-se para a Itália, onde conhece e passa a conviver com um grupo de “okupas”, os Lobos Grises, que além de ocupar residências e casas vazias, também promovem atentados a trens e outros atos de rebeldia. Soledad se apaixona por um deles, Edo, e os dois vivem um curto porém intenso romance, em meio à agitada e violenta vida do ambiente que os rodeia. Um dia, porém, a polícia irrompe com violência e os leva presos. Edo se mata na cadeia. Os pais de Soledad pedem que a moça seja enviada para ser julgada na Argentina. Ela recusa, prefere ser processada junto com seus companheiros. Recebe uma pena de prisão domiciliária e acaba se matando, numa casa nos arredores de Turin.
A trágica história revela um pouco do mundo naqueles anos 1990, em que a globalização produzia esse tipo de resposta social, da sociedade italiana e de seus excluídos, e também algo da Argentina durante o menemismo, da geração pós-ditadura e a difícil relação entre os que a viveram e os que cresceram numa espécie de novo país. O livro de Caparrós é melhor, porque investiga com mais profundidade a personagem. Mas o filme não fica muito atrás.