Globalização não é boa para o mundo dos livros, Eduardo Rabasa

Sylvia Colombo
O mexicano Eduardo Rabasa (Foto Divulgação)

Aconteceu no último fim de semana, em Buenos Aires, a Feira de Editores, que reúne casas editoriais pequenas e independentes da América Latina e cada vez cresce mais. Desta vez, ocupou os lindos galpões do Centro Cultural Konex, no centro da cidade. Além das palestras e encontros que ocorriam no auditório, no andar de cima, no andar debaixo os visitantes passeavam por longas filas paralelas de mesas em que se enfileiraram estandes de 250 selos argentinos e 30 de outros países, entre eles Uruguai, Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, México e Espanha. Com destaque para Entropía, Blatt & Ríos, Pequeño Editor, Adriana Hidalgo, Caja Negra, Beatriz Viterbo, Periplo, Mardulce, La Bestia Equilátera e Eterna Cadencia.

Entre as estrangeiras, a mais importante era a mexicana Sexto Piso, criada pelo editor e escritor Eduardo Rabasa, 40, que conversou com a Folha durante o evento.

Folha – Como começou a Sexto Piso?

Eduardo Rabasa – Foi em 2002, éramos quatro amigos, entre 23 ou 24 anos, e um professor de literatura com quem estudamos na UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México). Primeiro surgiu como uma brincadeira, nos provocávamos com a ideia de montar uma editora para publicar apenas o que gostávamos. E foi assim até que decidimos fazê-lo sem pensar muito mais. Sempre digo que foi sorte, porque nenhum de nós sabia nada de edição.

Folha – Como isso ajudou?

Rabasa – Acho que foi ruim por um lado, quando hoje vemos nossa primeira edição, que era a tradução mal-feita, por mim, de um título do filósofo norte-americano Morris Berman, tenho um pouco de vergonha. A edição está feia, tem um logo do McDonald´s, algo super clichê, na capa. Por outro lado, fomos aprendendo enquanto fazíamos, e acho que demos uma resposta na prática a todos aqueles que nos diziam que o momento para o mercado editorial era ruim, que não era possível, e aqui estamos.

Folha – O México tem tradição de grandes editoras, algumas transnacionais, mas hoje há várias dedicadas ao que vocês fazem, e que vieram depois, vocês se consideram uma referência, com seu catálogo de mais de 300 títulos lançados desde então?

Rabasa – Muitas se animaram depois de nós, é certo, mas cada uma é um modelo diferente do nosso. Antes de começarmos, havia sim pequenas editoras, mas eram feitas por hobby. Depois da Sexto Piso, surgiram outras inspiradas no nosso perfil, que é basicamente mais artesanal, com curadoria bastante pessoal, de edições bem cuidadas, mas num nível um pouco mais profissional. Ainda assim, o mercado segue sendo dominado pelas editoras grandes, como a Planeta, a Anagrama, a Tusquets.

Folha – E vocês, particularmente, focam qual perfil de leitor?

Rabasa – Nunca tivemos claro que tipo de leitor queríamos. Pensávamos que, se fizéssemos bons livros, haveria leitores. Tínhamos, sim, um modelo de editora, que é a italiana Adelphi, do escritor italiano Roberto Calasso, que acabou participando no nosso começo. Nossas tiragens são muito pequenas, entre 2 e 4 mil exemplares, no máximo, e a ideia é que continue nessa linha.

Folha – Qual o perfil do leitor mexicano médio hoje?

Rabasa – É um país muito grande e com muitas diferenças. Se você olhar as estatísticas da Câmara Mexicana do Livro, elas dizem que apenas 10% da população já declarou ter entrado numa livraria, parece pouco, mas num país com a nossa população, são 12 milhões de pessoas. Ainda assim, eu acho o nível de leitura baixo, a média de livro lido por ano, por cidadão, é de 1,6, enquanto na Finlândia está ao redor dos 40 ou 50.

 

 

Folha – E hoje o modelo de vocês é rentável?

Rabasa – Por muito tempo não foi. Mas fazemos muitas coisas, até livros por encomenda, e em alguns casos conseguimos investimentos e empréstimos. Hoje estamos num ponto de rentabilidade muito precária, e isso 15 anos depois. 

Folha – Você lançou “La Suma de los Ceros”, e agora está com um novo romance. Quem veio antes, o editor ou o escritor?

Rabasa – Certamente o editor, não me ocorria escrever. Mas há dez anos eu vivi uma crise muito grande, sentimental e física, fiquei doente, fui a médicos, acupuntura e até a bruxas (ri) e não me serviu nada. Foi esse processo que me levou a escrever “La Suma de los Ceros”.

Folha – Que é uma espécie de distopia. E você é um estudioso de George Orwell (1903-1950).

Rabasa – Sim, eu fiz minha especialização em Orwell e seu universo me inspira. Mas creio que o que mais me guiou em “La Suma de los Ceros” era a ideia de tratar o presente como distopia. Não como uma previsão do futuro, como Orwell fez em “1984”, e que hoje talvez seja a melhor descrição do mundo atual, do governo de Donald Trump, de tantas coisas que estão acontecendo.

 

 

Folha – O livro ocorre num conjunto habitacional que se chama Villa Miserias, mas não se trata de uma favela. Por que Miserias?

Rabasa – Não temos no México uma palavra para denominar uma favela. Aqui na Argentina se diz “villa”, em outros países “villa miseria”, no Brasil é “favela”, mas não usei “miséria” com esse sentido. Para mim, tinha mais a ver com o espírito por trás das relações das pessoas naquele espaço e com o mundo em que a narrativa se desenvolve.

 

Folha – Você acha que por meio desses novos festivais, iniciativas como o Bogotá 39, essa feira, está havendo mais integração entre a nova geração de autores latino-americanos?

Rabasa – Sim, ainda que eu não goste muito dessas coisas. Acho que tem um lado negativo nesse nosso cosmopolitismo atual, nessas listas dos “escolhidos”, que parecem formar um “star system”, em que cada país aporta com alguns eleitos. A estrela da Sexto Piso, por exemplo, é a Valeria Luiselli, que é uma grande autora e não tem culpa disso, mas ela acabou virando uma referência tão grande da literatura mexicana que, qualquer coisa relacionada ao México, as pessoas vão e perguntam para ela. O mercado editorial reflete o que está acontecendo com o mundo, e por isso se globalizou também, mas eu não gosto muito disso.

Folha – Mas as pessoas precisam desses referenciais para serem introduzidas a uma nova literatura, por exemplo.

Rabasa – Sim, o mundo do livro é uma espécie de espelho do que acontece na sociedade em maior escala, mas eu não creio que a globalização seja algo tão positivo para o mundo dos livros. Se já existem as grandes editoras que atravessam fronteiras, talvez as pequenas editoras devessem se importar mais com autores de perfil mais discreto, que não sairão à luz nunca porque não gostam de peregrinar por feiras ou ir a coquetéis.