Série revela camadas escondidas da realidade chilena
A produção chilena “Bala Loca”, que recentemente estreou na Netflix (ao menos nos países hispânicos), mostra como o Chile de hoje segue amarrado a seus traumas do passado, ao mesmo tempo em que o jornalismo vai mudando, tentando sobreviver aos novos tempos e a chegada de novas plataformas, e permanecer relevante, descortinando os crimes de gente poderosa.
A trama se desenrola a partir do assassinato de uma jornalista famosa, nos tempos atuais sem trabalho nos grandes meios, mas que através de seu blog vinha revelando escândalos de corrupção e o envolvimento de militares no encobrimento dos crimes da ditadura (1973-1990) e de outros novos. Estes delitos, como Paula Fuenzalida (Catalina Saavedra) estava a ponto de denunciar quando foi morta, num assalto a um supermercado cujo objetivo real era assassina-la, revelam uma tragédia que segue ocorrendo no Chile. Enquanto as Forças Armadas tentam “limpar” sua imagem, livrando-se do que chamam de “pinochetismo”, a ala dura dos seguidores do ditador segue mantendo pactos de silêncio e continuando a cometer delitos, que a série aos poucos vai mostrar.
O cenário do jornalismo, a partir do qual a história é contada, é variado. Existem os jornais tradicionais, lutando com a crise de recursos de publicidade, está o chamado “jornalismo de farândula”, que se resume em buscar histórias que queimem a reputação de gente famosa, e um grupo de jornalistas vanguardistas comandados por dois veteranos da imprensa num meio digital recém-lançado, o “En Guardia”. Um deles é Mauro Murillo (Alejandro Goic), que foi famoso em seu tempo de jornalista de investigação, navegou pela farândula, e teve um passado ligado à guerrilha _seu irmão foi morto pela repressão militar_ e hoje vive uma decadência pessoal depois de um acidente que o deixou paraplégico. A outra é Gabriela Vuskovic (Trinidad González), uma editora de ética muito restrita, que coloca na linha seus “focas” e acaba levando a investigação pelo lado correto.
O grupo investiga a morte de Fuenzalida ao mesmo tempo em que tenta terminar a investigação que ela estava realizando, tateando, errando, e sendo duramente ameaçado. As relações entre eles vão mostrando alguns temas ainda tabu na sociedade: a mulher que está infeliz mas não se divorcia do marido, o garoto gay que arruma uma namorada para fugir do bullying.
O personagem mais interessante da trama é o pai de Murillo, um homem que se refugiou na costa porque não aguentou o assassinato do filho menor e no que o Chile se transformou. É dele que saem os melhores insights sobre o Chile de hoje, e que levam Murillo filho a perseguir e a descobrir o torturador que matou seu irmão.
Em ritmo de thriller e com boas atuações, os 10 capítulos estão bem amarrados. E o final, que aparenta ser feliz, infelizmente não o é, pois mostra que poucos podem escapar das corrupções da atualidade, até os antes defensores de alguma ética.