Helicóide, de obra vanguardista a prisão política
Quem chega a Caracas pela primeira vez e vê esse imponente edifício imagina que se trata de algum museu, da sede de algum departamento importante do governo ou até de um observatório astronômico, tão imponente e de arquitetura ousada que destoa do bairro humilde em que se localiza. Hoje, o Helicóide aparece com uma frequência habitual nos noticiários, mas pelos piores motivos, pelo fato de ter se transformado numa prisão política para os inimigos da ditadura de Nicolás Maduro. Ali se pratica torturas, pessoas são confinadas em péssimas condições, e há rebeliões, como nos últimos dias.
Porém, abrigar um centro de pesadelos humanos estava longe das mentes daqueles que o idealizaram, nos anos 1950.
Um projeto privado, foi desenhado pelos arquitetos Pedro Neuberger, Dirk Bornhorst e Jorge Romero Gutierrez, com o formato de duas espirais que se encontram, encostadas a uma colina. De longe, parece uma pirâmide de três lados, e apenas de perto se pode ver seu impressionante domo. O objetivo era refletir os tempos modernos que chegavam a Caracas e que se viam em distintos campos artísticos. Também tinha a intenção de mostrar as transformações arquitetônica e urbanística pelas quais a cidade passava. O projeto chegou a impressionar artistas de renome. O poeta chileno Pablo Neruda e o pintor espanhol Salvador Dalí ofereceram poemas e obras para ilustrar seus interiores. O brasileiro Oscar Niemeyer também o visitou nesta época.
Mas o local não foi pensado para ser um museu, e sim um centro cultural e de compras, que passasse a sensação da riqueza de uma nação que crescia. Haveria lojas como um shopping center normal, um hotel, um clube com piscina e ginásio, restaurantes, além de auditórios e um cinema.
O sonho, porém, nunca virou realidade, pior, transformou-se em pesadelo. Os investidores privados não tiveram fundos para terminar o projeto. Em 1975, o governo nacionalizou o edifício. Porém, termina-lo e reforma-lo custaria muito caro. Ficou anos abandonado, abrigando pessoas sem-teto, “squatters” e gangues criminosas.
Nos anos 1980, preocupado com o problema social em que o edifício havia se transformado, o governo acabou transferindo para lá a sede da polícia secreta. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, afirmou que achava o prédio meio “assombrado”, mas chegou a prometer que a polícia sairia dali e que o local voltaria a servir a seu projeto original, ou seja, se transformaria em um centro cultural e de compras. Porém, isso nunca aconteceu.
Logo, o desenho interno do Helicóide foi se transformando no que é hoje. Desde que Maduro está no poder, em 2013, o Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional) se instalou aí definitivamente. No alto, estão os escritórios de comando. Logo abaixo, as salas de interrogatórios e de torturas, e os andares mais baixos, as celas dos prisioneiros políticos. Estima-se que, hoje, existam cerca de 3 a 5 mil pessoas presas no edifício, em más condições, segundo relatos de ex-detentos depois liberados.
De um ponto de vista estratégico, o Helicóide exerce poder sobre as mentes dos venezuelanos. Pela altura em que está, e com a possibilidade de uma visão de 360 graus, é como se estivesse vigiando a cidade noite e dia. E, de certo modo, está. Chegar perto dele é uma façanha. Há como um perímetro de segurança formado por policiais, para desestimular qualquer tentativa.
Há muito o que consertar na Venezuela depois que essa ditadura termine. Mas uma das ações simbólicas que poderiam ter efeito muito positivo seria tirar o Sebin dali e finalmente abrir o edifício para o entretenimento popular e a arte. É um edifício bonito demais para fins tão monstruosos. Caracas merece que o Helicóide se transforme em algo à altura da beleza da cidade e não um monumento ao sofrimento e a dor desses últimos anos.