Pitol, o menino órfão e doente que virou um gigante das letras
Quando meu amigo Juan Cruz, grande jornalista espanhol do “El País”, me perguntou se eu queria conhecer Sergio Pitol, meu coração trepidou de emoção. Sempre o tive entre meus autores mexicanos favoritos, porque parecia mais raro e mais aventureiro. Esse encontro foi a Feira do Livro de Guadalajara de 2008 ou 2009, já não me lembro bem. Mas não esqueço de ter apertado sua mão fina, recebido um sorriso como resposta, e de Juan sussurrando no meu ouvido, “ele não consegue falar direito”. Só então descobri que sofria de uma doença que carregou por anos, a afasia progressiva. Falamos então eu e Juan, e ele nos escutou, balançando a cabeça com cortesia e sempre sorrindo.
Saí do encontro com a certeza de que tinha conhecido um gigante literário, não por menos ganhador do Cervantes em 2005, e que tinha, com as letras, superado não apenas os efeitos negativos da afasia. Mas também a orfandade (perdeu os dois pais ainda criança) e o paludismo que o obrigou a passar várias temporadas de cama. Nasceu em Puebla, mas ao perder os pais, foi viver com a avó, em Veracruz. Sempre repetiu, nas poucas entrevistas que deu, que o que o livrou de deixar-se vencer por essas dificuldades foi nada menos que a literatura. Primeiro, os livros que sua avó dedicada lhe trazia quando estava impossibilitado de ir à escola ou de sair para brincar com os amigos. Depois, quando ele mesmo passou a escrever os primeiros contos.
Aos 16, Pitol empreendeu sua primeira grande viagem, de Veracruz à Cidade do México. Formou-se em direito e entrou na carreira diplomática. E, de repente, o menino frágil ganhou asas, explorou e escreveu a partir dos distintos lugares em que viveu: França, Polônia, Itália, Reino Unido, Hungria, Rússia e República Tcheca.
Era um dos últimos remanescentes do fervilhante meio literário mexicano dos anos 1930 e 1940. Embora fosse pequeno nessa época (nasceu em 1933), os contos de parentes e pessoas mais velhas sobre o que foi a Revolução Russa (1910-1920) e o papel dos intelectuais imigrantes que aportaram no México nessas décadas influíram em sua literatura.
Seu período mais produtivo foi entre os anos 1970 e 1990, com “El Desfile del Amor” (1984), “La Vida Conjugal” (1991), “Domar a la Divina Garza” (1988) e “Nocturno de Bujara”, a maior parte deles escrita enquanto viajava. Talvez por isso suas histórias, cheias de jogos de formato, contos dentro de contos, parecesse menos “mexicana” ao não tratar dos temas clássicos sobre os quais se debruçaram tanto outros mestres, como a identidade nacional, o deserto, mas ao mesmo tempo trazem os efeitos da história recente do país na vida dos personagens de sua geração. Ainda, trata do mexicano “fora do lugar”, algo que também servia para defini-lo.
Pitol morreu no último dia 12, aos 85 anos. Uma larga e frágil vida, mas que deixou uma obra imensa.