Condenado por genocídio, Ríos Montt morre sem ir preso
Morreu na madrugada deste domingo (1), aos 91, de um enfarto, o ex-ditador da Guatemala, Efraín Ríos Montt. O comunicado emitido pelo advogado da família não deixa de conter uma hipocrisia: “Morreu em seu lar, com o amor de sua família e com a consciência sã e limpa” _se a consciência estava tão sã e tão limpa, por que mencionar isso no breve informe?
Em 2013, Ríos Montt foi julgado pelo assassinato de 1.771 civis e condenado por genocídio e crimes de lesa humanidade a 80 anos de prisão. Em menos de dez dias, conseguiu que a pena fosse anulada, por conta de uma tecnicalidade. A Corte Suprema do país, então, ordenou que se iniciasse um novo julgamento, que estava em curso, ainda que seus advogados alegassem que Ríos Montt sofria de demência senil e já não tinha mais condições de enfrentar os tribunais.
Apesar do pouco tempo em que ficou no poder, entre 23 de março de 1982 e 8 de agosto de 1983, depois de um golpe de Estado, Ríos Montt foi um dos mais sanguinários ditadores da América Latina.
Segundo um relatório elaborado por uma comissão enviada pela ONU (Organização das Nações Unidas), Ríos Montt estaria no comando de vários massacres cometidos contra a população civil, em sua maioria, indígenas. Cerca 10 mil teriam sido executados, e 100 mil pessoas, desaparecidas. Muitas famílias foram levadas a imigrar para o México. O informe também menciona 448 povoados e aldeias simplesmente borrados do mapa durante sua gestão.
A chegada ao poder de Ríos Montt estava no contexto da Guerra Civil da Guatemala, que ocorreu entre 1960 e 1996, um período ainda com muitos crimes impunes por serem reparados, em que cerca de 200 mil pessoas perderam a vida, segundo estimativas das Nações Unidas e de outros organismos internacionais de direitos humanos.
A princípio, a chegada de Ríos Montt teve apoio interno e da comunidade internacional, pois seu discurso era de pacificar o país. No contexto da Guerra Fria, a proliferação de guerrilhas marxistas na América Central não era bem vista pelos EUA. Porém, logo, as execuções, os julgamentos realizados por juízes encapuzados, sem direito à defesa e que resultavam em pena de morte para os acusados, além da matança dos herdeiros do povo maia passaram a escandalizar os organismos internacionais e parte da sociedade guatemalteca. Ríos Montt começou a ser chamado de Pol-Pot das Américas.
Da longa pena de prisão que o aguardava, Ríos Montt passou apenas duas noites detrás das grades. Seus advogados conseguiram anular o julgamento inicial por ter questionado o uso da palavra “genocídio”, porém, o novo julgamento se encaminhava para declara-lo também culpado. Até porque, ele mesmo admitira em entrevistas que a Guatemala vivia em tempos em que “o mar está cheio de peixes podres que deveriam ser eliminados” ou mesmo admitindo os assassinatos, “eu mandei matar, mas não sou policial, sou chefe de Estado, então não sou culpado por executar as mortes”.
Durante o primeiro julgamento, Ríos Montt esteve presente nas largas audiências, quase sempre usando óculos escuros. Sua única “condenação” foi ouvir, por meio dos relatos aos juízes de sobreviventes e familiares de vítimas, um exaustivo resumo dos massacres que ordenou executar.