As mulheres se despedem do poder na América Latina
A prova de que existem padrões diferentes para avaliar governantes homens e governantes mulheres é que as quatro presidentes que exerceram essa função na América Latina nos últimos 15 anos passaram por questionamentos de analistas políticos e da sociedade em que era comum a pergunta: “será que este país vai eleger de novo uma mulher depois do governo de fulana?”.
É uma pergunta absurda. Imagine se, no caso da Venezuela e de seus gravíssimos problemas, alguém perguntará se o país “voltará a eleger um homem”, depois do desastre a que o ditador Nicolás Maduro levou o país? Ou se o mesmo ocorrerá na Nicarágua, depois da instalada autocracia de Daniel Ortega, ou mesmo em Cuba, após a desejada abertura, será que passará pela cabeça de alguém dizer: “dessa vez não deixaremos que um homem chegue ao poder?”. Após Fujimori, todos os presidentes eleitos no Peru foram homens. Todos foram questionados por distintas razões, mas em nenhum momento surgiu a questão, “desta vez, será que deveríamos ter eleito uma mulher?”.
Essa é uma das razões pelas quais todas as mulheres que estiveram no poder na América Latina nos últimos tempos, Cristina Kirchner (Argentina), Dilma Rousseff (Brasil), Laura Chinchilla (Costa Rica) e Michelle Bachelet (Chile), reclamam de uma desigualdade latente no modo como suas gestões foram avaliadas _deixando aqui de lado as ideologias e as conjunturas políticas específicas de cada país.
O fato é que, a partir de domingo (11), quando Michelle Bachelet deixar o posto, já não haverá mais países governados por mulheres na América Latina. Pior, neste ano com tantas eleições na região, são poucas as que estão se apresentando como candidatas. Apenas Margarita Zavala, no México, e Marta Lucía Ramírez, na Colômbia.
O que parecia um avanço sem precedentes em determinado momento, de repente mostrou o quanto de ranço machista ainda precisa ser vencido na região. Bastaram os primeiros erros ou tropeços administrativos para que as avaliações e críticas a cada uma fossem feitas levando em conta um elemento que deveria ficar de fora das mesmas: o sexo da mandatária.
Nas manifestações anti-kirchneristas, que tinham sua razão de ser por conta da corrupção e dos desmandos na economia, era comum que chamassem Cristina Kirchner de “égua” _palavra usada na Argentina para referir-se a uma prostituta.
Para Chinchilla, segundo contou em artigo recente para o “New York Times”, era comum que lhe perguntassem se ela chorava com problemas da administração. Bachelet vivia sendo sondada ou indagada por conta de sua vida afetiva e amorosa. Enquanto Dilma, seguramente os brasileiros se lembram dos insultos sexistas que lhe foram dirigidos nas manifestações. A brasileira, que atribuiu sua queda em parte por conta da misoginia, um dia disse: “Dizem que eu sou dura e severa, a um homem com essas qualidades diriam que era firme e forte”.
Após oito anos governando o Chile (em dois mandatos não consecutivos), Bachelet afirmou: “O que não se exige dos homens na política, se exige das mulheres. A única coisa que peço é que o corte seja feito com a mesma tesoura.”
Isso sem contar a força dos estereótipos que impactavam no modo como eram analisadas pelo público em geral, as inevitáveis descrições e críticas ao modo de vestirem-se, de caminhar, de sorrir (ou de não sorrir), de se comportarem em público, de andarem ou não acompanhadas por homens.
Uma situação como essa se muda de duas formas. Primeiro, com educação de qualidade, que diminui as chances de que uma criança cresça com preconceitos. Depois, políticas de cotas. Em todos os países em que se aplicou, aumentou a quantidade de mulheres nos parlamentos, como mostram exemplos aplicados no Primeiro Mundo. Se não chegaram mais, ainda, ao cargo de presidente, pelo menos cada vez mais mulheres latino-americanas são vistas exercendo postos na administração, e isso é bom. Assim, a sociedade se acostuma com a presença de deputadas, senadoras, ministras (que não sejam apenas ministras de áreas “familiares”, mas também de áreas consideradas “duras”, como segurança ou economia).
A política de cotas funciona bem em alguns países da América Latina. A Argentina é o melhor exemplo disso. Nos anos 1990, se implementou uma cota de 30% de parlamentares femininas no Congresso. Hoje esse número já é maior tanto na Câmara de Deputados quanto no Senado, enquanto o Brasil apenas tem cerca de 11% de congressistas mulheres. No Chile, depois da adoção do sistema de cotas, a representação feminina melhorou um pouco, passando de 15% a 23%. É pouco, mas é um passo necessário.
Com o tempo, espera-se que eleger novamente uma mulher como presidente seja um ato natural, e quem sabe as próximas não tenham de ouvir insultos de cunho sexista ou avaliações de suas políticas que passem pela cor de seus vestidos ou pela suposição sobre a qualidade do sexo que têm em seu tempo livre, com seus ou suas parceiras.