Um presidente pode opinar como um cidadão?

Sylvia Colombo

Pode um presidente opinar “como um cidadão” publicamente, sendo que sua “opinião de cidadão” difere completamente de sua opinião e de sua ação como presidente?

Pois a polêmica se instalou no fim de semana (vídeo abaixo), após o retiro espiritual que Mauricio Macri e seus ministros fazem de tempos em tempos, por dois dias, num balneário da costa argentina.

       O policial Luis Chocobar e o presidente Mauricio Macri, na Casa Rosada (foto Divulgação)

O assunto em questão é a polêmica sobre o caso do policial Chocobar, sobre o qual já falei em Mundo e que segue sendo um dos assuntos mais comentados do país. Resumindo os fatos. Um policial, Luis Chocobar, atirou pelas costas e matou um ladrão que fugia após esfaquear um turista norte-americano de quem tentava roubar sua máquina fotográfica, no bairro da Boca. À Justiça, Chocobar disse que tinha agido em legítima defesa, pois o criminoso teria tentado ataca-lo.

Mauricio Macri, aconselhado por seus gurus de imagem a dar respostas mais duras com relação a temas de segurança, mandou chamar Chocobar na Casa Rosada. Apesar de o policial estar afastado do cargo e respondendo a processo na Justiça por abuso de autoridade, o presidente ainda assim disse que sua atuação tinha sido “exemplar” e que da mesma maneira deveriam agir os policiais de toda a Argentina. A Secretaria de Segurança Pública chegou a oferecer um advogado pago pelo Estado para defender Chocobar na Justiça.

Ou seja, um claro avanço do Executivo contra a esfera do Judiciário.

Depois da audiência com o presidente, porém, veio o mais grave. Um vídeo de uma câmera de segurança de rua mostrou que a versão do policial era mentirosa. Que Chocobar não estava sendo atacado pelo criminoso, e sim que este havia saído correndo. As imagens mostram Chocobar atirando várias vezes e matando o rapaz, de 18 anos, pelas costas. Mesmo assim, a Casa Rosada reafirmou seu apoio ao policial.

Pois Macri foi questionado sobre isso no fim de semana, no término do retiro espiritual de sua equipe de ministros.

Um jornalista lhe perguntou o que achava da condenação em segunda instância de Chocobar. Macri, então, deu uma resposta inacreditável (veja no vídeo abaixo). Afirmou que, “como presidente iria sempre respeitar a Justiça, mas, como cidadão…”. Seguiu-se então, uma série de ataques aos “três juízes que não sei o que têm na cabeça” por não acharem que o papel de um policial é sempre o de “conter um criminoso que obriga a maioria dos argentinos a estar em prisão domiciliária enquanto os delinquentes andam livres pelas ruas”.

Terminou sua longa explicação sobre o que pensava o “Macri cidadão” dizendo que o “Macri presidente” “espera que as demais instâncias reflitam sobre isso” e voltem atrás na decisão.

Macri não terá sido o único presidente argentino a exercer forte pressão sobre o Judiciário para que este acate suas decisões. Ocorreu com os peronistas Carlos Menem, Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, entre outros. Porém, numa gestão que repete a todo momento que o respeito às instituições é um de seus valores básicos, como não suspeitar que o “cidadão Macri” influenciará o “presidente Macri” para que este exerça pressão sobre a Justiça, que resultará na mudança na decisão dos juízes de modo a que esta se molde ao que o “cidadão Macri” espera? O tempo dirá.

Abaixo, o vídeo em que Macri dá suas duas versões sobre o caso.