Zeta-Jones encarna madrinha dos narcos latinos; e isso é bom?

Sylvia Colombo
A atriz Catherine Zeta-Jones e a verdadeira Griselda Blanco (Foto Arquivo)

Primeiro, que fique claro que não estou pedindo a censura a qualquer obra de arte ou produto cultural. Creio que o cinema, a literatura, a TV podem e devem abordar qualquer tema. Porém, de forma crítica.

Isso vale ainda mais para o contexto de países como a Colômbia e o México, em que o narcotráfico cobra tantas vidas a cada ano, em que a duras penas se abrem pequenos espaços para debater a legalização das drogas que poderia ajudar a dissolver esse problema, e enquanto os chefões do negócio vão inventando novas rotas, novos produtos e novos meios de escaparem ilesos à Justiça após cometerem assassinatos, sequestros e outras brutalidades. Será que vão valeria um pouco de reflexão antes de se colocarem no circuito comercial tantos filmes e séries laudatórios sobre esses criminosos? Por que sempre são mostrados como heróis dos pobres, ao mesmo tempo em que levam uma vida glamourosa de aventuras e luxos? Claro que é positivo que as pessoas conheçam a história e saibam como foi a vida de Pablo Escobar, de Popeye, do Chapo Guzmán, mas que fique claro, antes de qualquer coisa, que estes foram responsáveis por grandes massacres, e que são anti-exemplos para a sociedade, principalmente para adolescentes e jovens espectadores.

Eu já tinha essas dúvidas quando foram “novelizadas” as vidas de Escobar, do Chapo e quando se elogiou tanto “Narcos” e suas ramificações. E não é que agora os norte-americanos resolveram encontrar uma figura que representa, segundo o filme mostra, o “empoderamento feminino”, só que no mundo narco? Sim, foram desenterrar a sinistra figura de Griselda Blanco, uma precursora do narcotráfico latino-americano cruzando a fronteira dos EUA. Foi Griselda quem iniciou Pablo Escobar e ajudou o Chapo Guzmán neste negócio. A partir de meados dos anos 1970, já se projetava como uma das mulheres mais ricas e mais poderosas das Américas. Agora, na produção televisiva “Cocaine Godmother”, é encarnada pela atriz Catherine Zeta-Jones _que não guarda absolutamente nenhuma semelhança física com a verdadeira Griselda, como se pode ver na foto acima. Em entrevista ao talk-show de Seth Meyers, Zeta-Jones disse que ficou obcecada com essa mulher “de origem humilde, que sofreu abusos na infância e que de repente se transforma em uma poderosa narcotraficante que era reverenciada por esses barões da droga, que além de tudo se encantavam com ela”.

Griselda Blanco (1943-2012) nasceu em Cartagena, na Colômbia, mas cresceu em um bairro humilde de Medellín, assim como Pablo Escobar. Casada com um falsificador de passaportes, foi aos 17 anos para os EUA, onde ambos entraram direto na vida do crime. Logo, numa disputa de poder interno, o casal se separou. Griselda abriu as primeiras rotas para o narcotráfico sul-americano, e depois foi comprando as que iam sendo abertas por seus concorrentes, ou simplesmente matando-os para ficar com elas. Também é considerada a inventora do assassinato cometido por sicários em motos e de modos inventivos de carregar cocaína dentro das roupas, sapatos ou do próprio corpo. Tinha caprichos incríveis. Uma vez, colocou na cabeça de que queria ter um objeto que pertencia à monarquia britânica, e conseguiu que um enviado seu a Londres subornasse um empregado do Buckingham Palace e lhe trouxera uma xícara da rainha. Passou a ser conhecida como “viúva negra”, porque matou maridos e amantes por conta de alguma “pisada na bola”, fosse por ciúmes, fosse por fazerem negócios às suas costas. Estima-se que matou 250 pessoas. Adquiriu várias propriedades, nos EUA e na Colômbia, onde, contam seus biógrafos, notas de dólares eram guardadas em grandes pilhas, lotando os quartos. Presa em 1984, tentou pressionar as autoridades, articulando um sequestro de John Kennedy Jr., que nunca conseguiu realizar. Pagou uma pena de 20 anos e voltou a Medellín, onde foi assassinada _até hoje ninguém sabe por quem_ em setembro de 2012. Seu cachorro se chamava Hitler, e seu filho, Michael Corleone, apenas para dar uma dica de suas referências.

Na Colômbia, o filme tem levantado polêmica. Há os que gostem dessas produções, e há os que não _principalmente a população de Medellín_, pois vão fixando no imaginário internacional a ideia de que a Colômbia é uma terra sem lei, em que os chefes da droga tudo comandam. Algo que os colombianos vêm combatendo com muita bravura. E não é à toa que, mesmo com tropeços e a duras penas, recém assinaram um acordo de paz com as ex-Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), buscam um com o ELN (Ejército de Liberación Nacional), estão desmontando o Cartel do Golfo e, apesar das situações adversas, é um dos países da região com melhores projeções de crescimento neste ano, cerca 3,5%.