As medidas de Trump que podem multiplicar a violência na América Central
O que a atual administração dos EUA chama de “imigrantes ilegais” é, na verdade, uma crise humanitária de proporções gigantescas. Nove de cada dez pessoas que cruzam a fronteira norte do México sem autorização (segundo o Pew Research Center), são centro-americanos que fogem da violência em seus países.
O que Trump não conta a seus eleitores é que a violência que impera hoje nos países do chamado Triângulo do Norte (El Salvador e Honduras, principalmente, mas também Guatemala e Nicarágua) é resultado do enfrentamento entre “maras” (gangues) que se formaram em solo norte-americano, e que apenas se tornaram mais cruéis, numerosas e sangrentas uma vez que foram deportadas pelo governo Clinton, nos anos 1990, de volta a países que não tinham estrutura social e econômica para recebe-los. Uma vez em casa, a opção que viram foi abraçar de uma vez a vida criminosa, praticando extorsões, narcotráfico e sequestros. É disso que os refugiados que são vistos tentando escapar pendurados em trens, nadando ou caminhando pelo deserto, desejam escapar.
Longe de resolver o problema em sua origem: ajudar os países da América Central para que reorganizem suas economias, frágeis desde os tempos das guerras civis, e receber os imigrantes que chegam aos EUA e que podem colaborar ocupando postos de trabalho na área de serviços, por exemplo, a atual administração toma atitudes contrárias às que poderiam ajudar a sanar o problema.
Prova disso é a recente revogação dos TPS (Temporary Protected Status) a mais de 2.500 nicaraguenses, que foram avisados que têm 14 meses para deixar os EUA. Os TPS são permissões para viver e trabalhar nos EUA, oferecidas a habitantes de países que passaram por tragédias naturais ou estão em guerra civil. Em geral, são concedidas por seis ou dezoito meses. No caso desses nicaraguenses, e ainda de 57 mil hondurenhos, 200 mil salvadorenhos e 50 mil haitianos, os TPS em vigor foram inicialmente concedidos em 1998, depois que o furacão Mitch fez considerável estrago nesses países. Nas administrações seguintes, eles foram sendo renovados por conta da crescente violência na região. Os presidentes George W. Bush e Barack Obama consideraram que devolver todos esses refugiados de uma só vez causaria um imenso distúrbio social e seria de um impacto negativo muito grande naquelas frágeis economias, o que por sua vez agravaria a crise de refugiados em sua própria fronteira.
Mas Trump não pensa assim. Já selou o destino desses nicaraguenses. Quanto aos hondurenhos, depois de muita pressão de uma comitiva de seu governo sobre congressistas republicanos, foi obtida uma extensão das TPS, mas apenas até julho de 2018. Já os salvadorenhos e os haitianos, cujos governos também estão pedindo aos EUA uma extensão do programa para evitar uma situação de calamidade em seus países, aguardam apreensivos. Seus períodos expiram em março e em janeiro de 2018, respectivamente, e a Casa Branca já sinalizou que não deve haver renovação.
É perturbadora a omissão internacional com relação à crise humanitária que vive a América Central. Em países como Honduras e El Salvador a taxa de homicídios só é menor do que as de países oficialmente em guerra. Quando a mídia norte-americana os classifica de “imigrantes ilegais” soa de modo pejorativo, como se de fato se tratassem de “bad hombres”, no rico linguajar do presidente. As imagens, porém, dizem outra coisa. São famílias, mulheres com bebês de colo e crianças viajando dependuradas nas ferragens de trens de carga, jovens meninas que tomam anticoncepcionais antes da viagem porque já sabem que serão estupradas no caminho ou pais que saem escondidos no meio da noite cobrindo os filhos com medo de que as “maras” os sequestrem para um recrutamento forçado.
Os outros países da América Latina fazem bem em pedir o fim dos abusos aos direitos humanos e eleições já na Venezuela, preocupados com a acentuada e grave degradação do país caribenho. Mas é de saltar os olhos o fato de que sequer mencionam o drama centro-americano.