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Sendic, o ex-futuro presidente do Uruguai

Sylvia Colombo
Raúl Sendic, 55, que pediu a renúncia neste sábado (Foto El País)

Tudo parecia tão certo que não poderia dar errado. Mas deu.

Neste último sábado (9), Raúl Sendic, 55, renunciou à vice-presidência do Uruguai, colocando em jogo a harmonia entre as distintas correntes que formam a Frente Ampla _aliança de esquerda que governa o país desde 2005_, e ameaçando a renovação geracional da política do país-vizinho.

Para entender a importância da renúncia de Sendic é preciso compreender um pouco o papel que ele jogava dentro da agrupação. O ex-presidente José “Pepe” Mujica pertence a uma vertente mais à esquerda, formada por ex-tupamaros e seus herdeiros _Sendic é nada menos do que filho de um dos fundadores da guerrilha. Já o socialista Tabaré Vázquez pertence a uma tendência mais de centro, e minoritária, dentro da coligação. Para que os laços não se desfizessem facilmente, vários acordos foram sendo feitos ao longo do largo tempo em que a Frente Ampla está no poder, desde a primeira eleição de Tabaré Vázquez em 2005.

Essas amarrações passavam, por exemplo, pela escolha de quem seria o vice-presidente. Mujica teve, durante seu mandato (2010-2015), um indicado de Tabaré como “número dois”, o economista Danilo Astori. Quando Tabaré quis voltar à Presidência, em 2015, Mujica impôs o nome de Sendic. Dessa maneira, a fórmula de união não desandaria, apesar de haver grandes diferenças entre o modo como esses dois líderes veem os distintos aspectos da condução do país.

Mujica e Tabaré diferem em como se deve encaminhar a política econômica, a de direitos humanos e no que diz respeito a liberdades individuais _Tabaré era contra as leis do aborto e da maconha, por exemplo, aprovadas na gestão Mujica.

Aos olhos de muitos eleitores da Frente Ampla, Sendic parecia o candidato ideal para seguir os passos de seus antecessores. Isso porque é jovem para os padrões da política uruguaia, tinha capacidade de articulação entre as duas correntes principais que formam a Frente Ampla e um passado admirável do ponto de vista dos românticos de esquerda. Afinal, havia passado a infância privado da companhia do pai, Raúl Sendic Antonaccio, que passou muito tempo na clandestinidade e, depois, viveu os anos da ditadura preso. Nessa época, Sendic filho foi obrigado a exilar-se em Cuba com a mãe, onde estudou medicina.

Quando Tabaré chegou ao poder pela segunda vez, com Sendic a seu lado, o vice era a verdadeira sensação da chapa. Naquela época, já se falava de uma provável candidatura dele nas eleições de 2019. Elogiava-se sua retórica e até o estilo de sua esposa, já colocando-a no lugar de primeira-dama.

As razões pelas quais Sendic renunciou neste sábado (9) podem parecer pequenas se comparadas aos escândalos de corrupção que vêm surgindo no Brasil e na Argentina. Mas Sendic teve a imagem desgastada lentamente. Primeiro, porque se descobriu que a especialização acadêmica que ele dizia ter não existia. Depois, porque veio à tona que, enquanto era dirigente da estatal petrolífera Ancap, havia feito compras, em valores pequenos, mas indevidos, com dinheiro estatal.

Não parecem delitos graves, mas são o suficiente, num país tão legalista como o Uruguai, para enterrar a carreira de um político. Agora, Sendic terá de comparecer diante da Justiça como um cidadão qualquer e responder pelas irregularidades. E isso não só é correto como manda uma mensagem muito positiva à região.

As consequências negativas, porém, da renúncia de Sendic excedem as fronteiras do Uruguai. Podem mudar, por exemplo, algumas das posições do país em termos de política externa. Na última cúpula do Mercosul, em Mendoza, os países da região queriam enviar uma mensagem mais dura à Venezuela, talvez incluindo sanções ou até uma ameaça de expulsão do país do bloco. O Uruguai não deixou. Não porque Tabaré não estivesse de acordo com Macri, Temer e Cartes, mas porque estava amarrado com compromissos com a bancada majoritária da Frente Ampla no Congresso. Não a dele, mas a de Sendic e de Mujica.

Outro exemplo de repercussão que sua saída pode ter é na implementação da lei da maconha. Recentemente, alguns bancos estrangeiros se recusaram a manter como clientes farmácias que vendem a droga de acordo com a legislação aprovada em 2013. Tabaré vinha tratando o tema com descaso e de forma lenta. E era o bloco de Sendic e de Mujica quem insistia que essa lei deveria ao menos ser posta em prática, depois de tanto sacrifício para aprova-la, porque acreditavam que teria muito a aportar a uma região ensanguentada pela guerra ao narcotráfico.

Do ponto de vista interno, a Frente Ampla perde a possibilidade de renovar-se, pelo menos por ora, e pode ver a eleição de 2019 ir-se de suas mãos, o que apontaria talvez para uma saudável alternância de forças políticas no poder. Ainda é cedo para medir todas as consequências da renúncia de Sendic. Tomara que, no balanço final, seu gesto seja um símbolo positivo, e mais uma vez um exemplo do Uruguai para a região.

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