A explosão no Andino e a resistência dos que preferem a paz

Sylvia Colombo
Homenagem às vítimas do Centro Comercial Andino, nesta segunda, dentro do shopping (Foto El Tiempo)

Na última vez em que estive no Centro Comercial Andino, em Bogotá, foi, justamente, para fazer uma entrevista sobre as distintas ondas de violência que marcam de forma tão triste e sangrenta a história da Colômbia. O encontro com a entrevistada ocorreu neste mesmo shopping onde, na tarde do último sábado (17), uma bomba de pequeno alcance matou três pessoas, num atentado terrorista do qual são suspeitos, por ora, alguns grupos: o ELN (Exército de Libertação Nacional), o Clã do Golfo, o MRP (Movimento Revolucionário do Povo) e dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Naquela manhã fria de setembro de 2016, a poucas semanas do plebiscito em que se votaria a aprovação ao acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc, eu esperava, no restaurante Il Pomeriggio, localizado no térreo do Centro Comercial Andino, a Maruja Pachón.

Aos 67, a sorridente e otimista senhora, filha de uma das famílias mais influentes da Colômbia, é nada menos que uma das sobreviventes entre os sequestrados pelo Cartel de Medellín que ficaram conhecidos internacionalmente a partir do livro “Notícia de Um Sequestro” (1996), de Gabriel García Márquez (1927-2014). Durante 182 dias entre 1990 e 1991, Pachón havia ficado num cativeiro com mais duas mulheres, uma delas, sua cunhada, enquanto o líder narco Pablo Escobar (1949-1993) tentava negociar um tratado de não-extradição aos EUA. O sequestro havia sido uma forma de pressionar os governantes. Apesar das lembranças dolorosas e de evocar uma época sinistra, nossa conversa foi super agradável, e publicada, na época, no caderno Mundo.

Como várias pessoas de sua geração, principalmente pertencentes às camadas mais endinheiradas, Pachón vive hoje longe do centro. Depois dos violentos anos 80 e 90, marcados pela guerra ao narcotráfico e pelos atentados frequentes nos grandes centros urbanos, quem pôde se afastou do coração da cidade e lá permanece. Como os Pachón, muitas famílias que se viam ameaçadas buscavam um abrigo em propriedades nas montanhas que cercam Bogotá.

Naquela manhã, o trânsito estava pesado, e Pachón se desculpava pelo atraso por meio de mensagens de texto. Enquanto isso, eu observava o público que chegava ao Il Pomeriggio. Em cerca de 40 minutos de espera, vi entrarem para um café rápido ou para encontros que pareciam formais algumas figuras conhecidas da sociedade colombiana. Um apresentador de televisão, o senador Juan Manuel Galán _filho do então candidato a presidente Luis Carlos Galán, assassinado durante a campanha eleitoral de 1989_, um deputado da oposição e um famoso juiz. Assim que Pachón chegou, esbaforida, me contou que o restaurante era também um de seus preferidos quando vinha a Bogotá para reunir-se com as amigas de longa data.

Só por esse exemplo já se pode ter uma ideia do que significa planejar um atentado a bomba no Centro Comercial Andino. Nada menos que atingir em cheio o coração da elite bogotana, em primeiro lugar. Em segundo, de acordo com o horário e a data do ataque, ter como alvo também um numeroso público de classe média alta, que foi ao shopping comprar presentes para o Dia dos Pais, comemorado no domingo (18) na Colômbia.

Ao recuperar a entrevista feita naquela manhã, topei com algumas frases de Pachón que servem para o contexto do novo ataque terrorista no centro de Bogotá. “As notícias sobre a guerra ao narcotráfico eram publicadas naquela época (década de 90). Mas a sociedade não tinha se sentido tocada o suficiente, até que Escobar mostrou sua força sequestrando pessoas que eram de famílias conhecidas ou gente que formava opinião, como os jornalistas Diana Turbay e Francisco Santos. Teve um poder simbólico muito forte. Por outro lado, fez com que muitos se mobilizassem em campanhas pela paz também”, disse Pachón.

Mesmo sendo vítima de uma brutalidade, Pachón não mostrava nenhum sinal de rancor ou de sentimento vingativo. Achava que a Colômbia necessitava dar um passo adiante e afastar-se de seu passado com tantas ondas de violência _as guerras entre liberais e conservadores, o Bogotazo e La Violencia, o enfrentamento do Estado com os cartéis e com as guerrilhas políticas. Por essa razão, iria votar pelo “sim” no plebiscito de outubro.

A poucas quadras do Centro Andino, e mais ou menos na mesma época, entrevistei também Martha Amorocho, mãe de dois rapazes que estavam dentro do exclusivo clube El Nogal, em fevereiro de 2003, quando um carro-bomba enviado pelas Farc mandou parte do local pelos ares, causando 36 mortes e deixando mais de 200 pessoas feridas. O filho caçula de Amorocho morreu na hora, enquanto o mais velho levou anos para se recuperar de uma grave lesão craniana.

Quando cheguei à sua casa, dei de cara com outra característica herdada daqueles anos traumáticos. Como quase todos os edifícios de famílias de classe média alta, este tinha uma segurança redobrada, exigência de documento de identidade na porta, além de portas e elevadores com códigos e travas. Amorocho, porém, abriu as portas de sua casa também sorridente e generosa. Há muito, dizia, já tinha perdoado os assassinos de seu filho, “porque carregar o rancor só faria mal para mim e para a minha família”. A entrevista em que contou os detalhes daquele dia terrível também foi publicada no caderno Mundo.

A razão pela qual lembrei-me dela depois da explosão no Centro Comercial Andino foi algo que Amorocho me disse sobre a questão da proximidade geográfica da tragédia. O Andino fica a poucas quadras do El Nogal, assim como o apartamento onde os Amorocho sempre moraram. “Nós íamos e ainda vamos a pé para o clube. Por que concederíamos aos terroristas o prazer de nos ver escondidos ou mudando nossos hábitos? Além disso, deixar o país não traria nosso filho de volta e levaríamos conosco a dor da perda. Essa dor da perda é irreparável, mas não é imperdoável”.

Amorocho, na época de nossa entrevista, estava também engajada pela campanha pelo “sim” à paz. Havia acompanhado o presidente Juan Manuel Santos e a comissão de negociação a reuniões com a guerrilha em Havana e até conversado com mandantes do crime. “Ou eu cultivava a raiva, e me transformava em alguém parecido àqueles que mataram meu filho ou me decidia a semear esperança. Preferi a segunda alternativa”, disse.

Ainda não se conhecem os detalhes nem os responsáveis pelo ataque ao Andino. Nota-se, porém, que a intenção é parecida com a do ataque ao El Nogal, a do sequestro de figuras notáveis da sociedade ou a das bombas plantadas em centros movimentados de Bogotá. Chamar a atenção da mídia, espalhar o medo e perpetuar a ideia de parte da sociedade de que a paz _seja com grupos políticos armados, seja com criminosos comuns_ não poderá nunca ser alcançada.

Depois de conhecer essas duas mulheres, e outras vítimas de tantos conflitos da história da Colômbia, é esperançoso saber que essas tentativas do passado não deram resultado e que a esperança da paz ainda é um sonho próximo e desejado, até mesmo por quem sofreu a dor na própria pele.