Bogotá também destruiu sua cracolândia, com resultado ainda insatisfatório

Sylvia Colombo
Oficial do Exército vigia a região conhecida como Bronx, na capital colombiana (Foto El Espectador)

As situações têm diferenças entre si, mas as semelhanças podem servir para iluminar as discussões após a destruição da Cracolândia de São Paulo.

No dia 28 de maio de 2016, apenas meses após voltar ao cargo de prefeito, Enrique Peñalosa, que na década anterior tinha introduzido diversas modernizações urbanísticas em Bogotá, deu ordem para desalojar e demolir o que era conhecido como “o Bronx”, ou “La L”, conjunto pequeno de quadras no coração da cidade, perto da famosa e turística Candelaria, que havia se transformado num dos principais pontos de venda de drogas da cidade, além de refúgio de viciados de diversas substâncias. Havia quase duas décadas que a polícia desistira de entrar na área, controlada pela gangue dos Sayayines. Estima-se que se chegava a comercializar, no local, cerca de US$ 45 mil por dia.

Além do comércio ilegal de drogas, o Bronx era conhecido por ter espaços para torturas de membros de facções inimigas e até para a destruição de restos mortais. Por essas razões, muitos bogotanos aprovaram, na época, a ação de Peñalosa. Com o emprego de uma força especial de 2.000 policiais e membros do Exército, a desocupação durou um dia inteiro, levando edificações ao chão e traficantes para a cadeia. Dos 62 edifícios e casas, hoje restam apenas 23 de pé, muitos estão abandonados.

A questão que ficou no ar, porém, foi o destino das 3 mil pessoas, a maioria viciada em drogas, que frequentavam ou se abrigavam no local.

Um ano depois da ação, acumulam-se críticas ao modo como foi realizada e, principalmente, à falta de acompanhamento a essa população de rua que vivia por ali. Apesar de a prefeitura ter disponibilizado atendimento em sete centros de saúde espalhados por Bogotá, não houve uma política específica para os que vieram do Bronx. Inicialmente, anunciou-se que 1.900 habitantes da zona haviam iniciado tratamento, mas 800 tiveram alta poucos meses depois, e o resto seguiu perambulando pelas ruas do centro. A prefeitura anunciou uma redução do número de homicídios em 48%, porém, multiplicaram-se por outros pontos da região central as “bocas”, pequenos locais de venda de drogas.

Duas ONGs que acompanham as atividades no local, o CPAT (Centro de Pensamiento y Acción para la Transición) e o Parces (Pares en Acción Reacción Contra la Exclusión Social) divulgaram um amplo informe de balanço sobre os efeitos da derrubada do “Bronx”, um ano depois. O que mais chama a atenção é o fato de ter sido detectada uma deterioração das condições de vida dos habitantes de rua. 

O estudo avalia que a prefeitura vem falhando em atender essa população, e que a polícia segue cometendo abusos de direitos humanos com relação a ela. Mencionam que os ex-habitantes do Bronx são vítimas de agressões verbais e físicas e, muitas vezes, de deslocamentos forçados para abrigos. Apontam, ainda, que essas pessoas reclamam de revistas constantes por oficiais, chegando a ter de ficar “nuas em vias públicas”. Diz o documento: “A perseguição aos habitantes de rua tem sido sistemática desde a intervenção no Bronx”. Acrescenta que a intervenção “não apenas gerou uma série de práticas de violência física e simbólica contra os habitantes de rua por parte da força pública e outros agentes do Estado como também se pode afirmar que houve a promoção do discurso institucional de rejeição ao habitante da rua, legitimando na sociedade civil ações de limpeza social contra eles.”

O documento propõe a formação de uma comissão com gente da prefeitura e da secretaria de saúde para acompanhar a recuperação da área e de seus moradores, enquanto vereadores de uma frente de esquerda propõem a criação de “zonas humanitárias”, onde além de abrigo fossem oferecidas, também, doses controladas de drogas, com acompanhamento médico. Já a prefeitura responde que um projeto de reurbanização do local está nos planos do governo municipal e prevê a reconstrução de casas destruídas, a criação de centros comunitários, praças e até de uma estação do Transmilênio _o sistema de ônibus integrado que conecta diversas regiões da cidade.

Por ora, porém, o cenário para quem passa pelo local é apenas de abandono e desolação.