México corre risco de ter apagão informativo, avisa ONG

Sylvia Colombo
O corpo de Javier Valdez, após receber 12 tiros, em Sinaloa (Foto La Jornada)

Javier Valdez (1967-2017) não foi o primeiro, e dificilmente será o último.

Segundo o mais recente informe da Article 19, ONG britânica de direitos humanos que se dedica a fazer levantamentos de crimes contra a imprensa, o repórter do semanário “Ríodoce” e do jornal “La Jornada” foi o sexto jornalista a ser assassinado neste ano. Desde 2006, mais de 100 perderam a vida, enquanto 25 se encontram desaparecidos.

“É muito grave que a maioria desses assassinatos ocorra no interior do país, onde os cartéis e autoridades corrompidas pelo narcotráfico atuam mais. Os jornais da Cidade do México dependem das informações obtidas por semanários como o ´Ríodoce´ e de jornalistas como Valdez, que investigam de perto esses delitos. Se as mortes continuarem, seguidas de fechamentos das publicações, como vem ocorrendo, o México vai sofrer um apagão informativo, e nós não vamos mais saber o que se passa longe dos grandes centros”, diz à Folha, por telefone, Juan Vázquez, coordenador de comunicação da Article 19 no México.

A morte de Valdez, pelo menos, não caiu rápido no esquecimento, como infelizmente aconteceu com alguns casos anteriores. Figura conhecida e midiática, autor de livros sobre o narcotráfico e ganhador de prêmios, Valdez recebeu a solidariedade de colegas de vários cantos do México e de fora. Nos dias seguintes, algumas publicações pararam e decidiram não circular, na campanha #undiasinperiodicos, enquanto a Procuradoria do Estado de Sinaloa vem sendo pressionada pelos seus colegas de trabalho para que não interrompa a investigação, como ocorreu antes. “Até hoje, não temos registro de nenhuma condenação aos que mataram jornalistas no México. São crimes ainda impunes”, assinala Vázquez.

Até por conta dessa pressão, mais detalhes sobre como foi a morte do jornalista logo vieram à tona, devido a informações obtidas pela polícia e por seus próprios colegas de Redação, que saíram a apurar o caso. Já se sabe, por exemplo, que Valdez foi humilhado antes de morrer. Obrigado a ajoelhar-se, levou 12 tiros de dois homens encapuzados que o abordaram na saída do prédio onde fica a sede do “Ríodoce”, na cidade de Culiacán. O carro usado por eles foi encontrado alguns quarteirões adiante. Os jornalistas reclamam mais segurança para seu trabalho. Ao tentarem acessar as câmeras de segurança que deveriam monitorar a área, por exemplo, se deram conta de que estas não funcionavam. O diretor da publicação, Ismael Bojórquez, sinalizou que acompanhará cada passo do processo e que seu jornal continuará noticiando os delitos e irregularidades de narcos e autoridades nos quais Valdez vinha trabalhando, como compromisso ao jornalista morto.

“Infelizmente isso não costuma ser a regra. É muito comum que em Estados como os de Tamaulipas, Sinaloa, Chihuahua, as publicações muitas vezes sem perceber começam a praticar autocensura. E não só os jornais, TVs e rádios, as próprias pessoas, nas conversas de dia-a-dia, não usam a palavra ´narco´ou ´sicário´, trocam ´massacres´ por ´tiroteio´, por exemplo. Porque têm medo de serem perseguidas pelo que dizem. Ir reportar, vindo de fora, nesses lugares, também é difícil por isso, pois as pessoas preferem dizer que não viram nada”, reforça Vázquez.

Curiosamente, desse tipo de prática e de comportamentos fala um dos livros de Valdez, “Narcoperiodismo”.

O momento do assassinato não é casual. Apesar de o perigo imperar desde o início da chamada “guerra ao narcotráfico”, iniciada em 2006 durante o governo do conservador Felipe Calderón, quando cartéis e Exército passaram a protagonizar uma guerra sangrenta que já causou mais de 80 mil mortes, as coisas ficaram ainda mais feias em Sinaloa desde a prisão do “Chapo” Guzmán, líder do poderoso cartel local, hoje extraditado aos EUA.

Desde então, o cartel do “Chapo”, sob nova liderança, e cartéis rivais, vêm disputando território, influência, poder entre os políticos, um jogo no qual a imprensa independente é sempre um alvo estratégico. Há não muito tempo, o próprio Valdez contou estar sendo vítima de ameaças, desde que havia publicado uma entrevista com um traficante local, Dámaso López. No dia seguinte, um grupo de homens encapuzados realizou um “rapa” em quiosques que vendiam a publicação, para que a mesma não circulasse. 

“A sociedade internacional, e os jornalistas de outros países, precisam ser informados do que está ocorrendo no México. Sem pressão da sociedade mexicana, e da opinião pública internacional, vai continuar a impunidade”, afirma Vázquez.

Buenos Aires, nesta semana, foi palco de um protesto de jornalistas pedindo Justiça pelo caso Valdez, também ocorreram manifestações em Santiago, Lima e em Madri, onde profissionais da área fizeram abaixo-assinados e pediram o fim da impunidade aos que matam jornalistas no México.

Infelizmente, ainda é pouco.