Quiseram nos convencer de que só filmes em inglês eram cinema, diz Arturo Ripstein

Sylvia Colombo
O cineasta mexicano Arturo Ripstein (Foto Divulgação)

“Eu nunca fui ajudante de Buñuel, mas como isso já está escrito assim na Wikipedia, não há mais o que possa fazer”, diz, com ironia algo tristonha, o cineasta mexicano Arturo Ripstein, 73, ao comentar sua biografia em palestra no último domingo (7), na livraria do Fondo de Cultura, em Buenos Aires.

Ripstein conheceu, sim, o espanhol Luis Buñuel (1900-1983), e dele contou algumas anedotas. Por exemplo, de como ia aos bairros mais humildes da Cidade do México vestido de trabalhador, para ouvir diálogos, entender os códigos, que depois trasladou a seus filmes rodados no país. “Se bem que alguém com a cara que tinha o Buñuel e com seu sotaque aragonês não passava sem ser reconhecido muito tempo”, fazendo o público rir. Também lembrou dos “filmes horríveis que teve que fazer porque tinha de alimentar os filhos”. Mas, além do “cinema para alimentação”, como designou, Ripstein fez vários elogios ao colega. “Nenhum artista estrangeiro entendeu o México como ele, com tanta precisão”, resumiu. E lembrou que, quando sua obra mais importante do período, “Los Olvidados” (1950), foi exibida pelas primeiras vezes, “a elite nacionalista ficou furiosa, porque mostrava um México dos subúrbios, e pediu a cabeça de Buñuel. Mas depois o filme foi a Cannes e voltou premiado, e Buñuel passou a ser aceito”.

Ripstein, que tem em sua cinematografia algumas adaptações literárias (“El Coronel No Tiene Quien Le Escriba”, de García Márquez, e “El Lugar Sin Limites”, de José Donoso), compartilhou o debate com sua mulher, a escritora Paz Alicia Garciadiego. Ambos lembraram Juan Rulfo (1917-1986), cujo centenário de nascimento se comemora na semana que vem. “Ninguém conseguiu, de forma tão austera, captar um México que é comum a todos nós”, disse Garciadiego.

 

Perguntado pelo futuro de sua arte, Ripstein disse não acreditar que possam voltar os bons tempos do cinema popular, com ingressos baratos e filmes de qualidade. “Houve um tempo em que isso era possível, na mesma rua na Cidade do México, um cinema estar exibindo Hitchcock e, do outro lado, um filme nacional de qualidade. E os dois com filas grandes”. Segundo o cineasta, porém, “nós perdemos a batalha para os que chegaram com a ideia de que os melhores filmes possíveis eram os filmes em inglês, que se não fôssemos ver filmes em inglês, era como não ir ao cinema. Nos reduziram à quase inexistência.”

Também falou com nostalgia da Buenos Aires que conheceu no anos 1960. “Havia cinemas exibindo uma produção muito variada, e não eram só as pequenas salas de arte. Mas não adianta ficar reclamando, isso não volta. É preciso encontrar uma nova opção. Um sistema como o Netflix que sirva ao tipo de coisa que nós fazemos. O que sei é que o cinema não vai morrer. As pequenas joias continuarão a ser produzidas, ainda que em meio de muito lixo.”