“Queda da qualidade da ficção popular é preocupante”, diz Fresán

Sylvia Colombo
O escritor argentino Rodrigo Fresán, que lança “La Parte Soñada”, no mercado hispânico (Foto ABC)

O escritor argentino radicado em Barcelona Rodrigo Fresán, 54, conhecido no Brasil por alguns de seus poucos títulos lançados em português (“Jardins de Kensington”) e por sua passagem pela Flip 2007, apresentou na noite de quarta-feira (5) seu novo romance, na livraria Eterna Cadencia, em Buenos Aires. Trata-se de “La Parte Sonãda” (Random House), que, junto a “La Parte Inventada”, já lançado, e “La Parte Recordada”, que está no prelo, compõem não uma trilogia, mas, nas palavras do autor, um “tríptico”, cujo objetivo é refletir sobre os atos de ler e escrever.

“É difícil escrever nos dias de hoje, quando 99,9% das pessoas estão escrevendo. Seja qual for o formato, estamos todos relatando nosso tempo nas redes sociais, na literatura, na troca de e-mails”, disse Fresán ao iniciar a apresentação da obra. Membro de uma geração que renovou a literatura argentina nos anos 1990, Fresán é autor de obras marcadas pela originalidade daqueles tempos mesclada a referências da cultura pop. “Havia uma necessidade nova de contar o país, e nós tentamos responder a isso”, conta o autor, que é contemporâneo em sua estreia literária a Alan Pauls, Martín Kohan e outros.

Um dos temas da noite foi a eterna discussão sobre o que é ser um autor argentino, algo que se debate por aqui desde Jorge Luis Borges (1899-1986), pelo menos. Fresán tomou, justamente, o texto “El Escritor Argentino y la Tradición”, do célebre cânone local, como ponto de partida para falar de sua própria condição de escritor argentino deslocado, já há mais de 20 anos na Espanha. Para Fresán, essa distância faz com que nunca tenha “se enrolado na bandeira argentina”, mas diz sentir-se identificado com a liberdade que a tradição daqui fez com que herdasse. “São tantos que experimentaram com a estrutura, como Cortázar, Piglia, Sábato, que faz com que nos sintamos livres, isso é algo que Borges nos transmitiu”, afirmou. Mais, crê que isso diferencia a literatura argentina do resto da região. “A nossa é a única em que todos os escritores considerados canônicos jogaram com o fantástico, esse é outro elemento libertador.”

Sobre o início dessa trilogia, conta que partiu de uma ideia de uma “short novel”, que não passaria de 60 páginas, mas hoje se dá conta de que subestimou o projeto, e o “tríptico” é composto por três livros, cada um com mais ou menos 600 páginas. No recém-lançado habitam escritores, como Nabokov, Henry James e Charlotte Brontë. “Demorei para me dar conta de que um livro pode ter escritores dentro, e escritores dentro de livros de escritores ficcionais. Foi a leitura de Nabokov que me permitiu abrir as portas para esse tipo de experimento”.

Outro experimento que faz até hoje é o de encarnar o personagem “Rodríguez”, um espanhol que fala da realidade a partir do ponto de vista europeu, aos leitores do “Pagina12”. “Eu fui para a Espanha como correspondente, mas depois de muitos anos lá, você perde o olhar estrangeiro, então decidi inventar o Rodríguez. Ficcionalizei meu trabalho de correspondente”, disse.

Na apresentação na Eterna Cadencia, também contou que escreve com um dedo só, e que quando quer ler uma obra inteira rápido, pode se isolar por dias. Foi o que fez com “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust. “Fui para um lugar na serra cordobesa por 15 dias para ler”. Algo parecido, conta, quer fazer quando _e se_ ganhar na loteria. “Ficar dois anos sem escrever nada, para depois ver como saio dali. Queria entender se é parecido ao sentimento de um estado de coma, em que se tem que aprender outra vez a falar, a andar.” Quando alguém perguntou como poderia voltar, ele respondeu: “Talvez o que eu escrevesse saísse como as obras de Isabel Allende, ou de Nick Hornby, algo completamente diferente. Mas, como não vou ganhar nunca na loteria, jamais vou saber”, disse, rindo.

Fresán não quis comentar a realidade argentina, enquanto do lado de fora da livraria se ouviam buzinas do trânsito infernal que antecedeu uma greve nacional no país, mas sobre a literatura contemporânea diz estar preocupado com a queda da qualidade da literatura mais popular, mencionando que, antes, uma leitura popular era Tolkien, algo muito mais refinado do que a ficção comercial de hoje. Este, entre outras coisas, foi um dos fatores que influenciou para que pensasse nesses livros, que são, basicamente, um longo ensaiou sobre o que significa ler e escrever nos tempos atuais.