Um triste fim para a carreira de um mito do rock argentino

Sylvia Colombo
O cantor argentino Indio Solari, em cena desde os anos 1970

Quem soube hoje da existência do roqueiro argentino Indio Solari, 68, por conta do acidente em seu concerto no último sábado (11), em Olavarría, deve ter se achado mal-informado. Em geral, o brasileiro médio sabe pouco da cena pop do país-vizinho, e a maioria conhece apenas os artistas mais midiáticos e que se projetaram internacionalmente, como Fito Páez ou Charly García. Mas nenhum dos anteriores tem a capacidade de mobilização de fãs, na Argentina, que Solari possui. Prova disto está no documentário “Piedra que Late”, cujo link vai abaixo. Nele, ouve-se depoimentos de fãs que cruzaram a Argentina de norte a sul para ir a um de seus multitudinários shows _, ou a muitos, ou a todos,_ além de curiosidades, como os seguidores que contam como as letras que ele sempre cantou os ajudaram a atravessar momentos difíceis e até anos de encerramento em prisões.

Obviamente que sua popularidade não deve ser responsabilizada pelo terrível acidente, e as autoridades e o local que abrigava o espetáculo precisam dar respostas rápidas sobre as razões da tragédia, em que duas pessoas morreram e mais de dez ficaram feridas. Mas, para entender por completo o ocorrido, é preciso compreender também a razão pela qual multidões seguem o Indio Solari onde ele estiver tocando em território argentino, há mais de quatro décadas.

 

Nascido em Entre Ríos em 1949, Solari fundou, em 1976, uma banda que atravessaria os anos da ditadura e daria à juventude dos anos 80 os hinos de um país recém-redemocratizado. Trata-se de Patricio Rey y sus Redonditos de Ricota, que atuou até 2001 e produziu alguns discos hoje considerados objetos de culto, como o álbum “Oktubre” (1986). Solari bebeu dos poetas beat, do rock setentista britânico e da ficção científica. Era o reflexo roqueiro da contracultura na Argentina. Quando perguntado sobre a influência do rock latino em seu trabalho, Solari sempre respondeu com certo desprezo com relação ao próprio gênero em que atua: “rock em castelhano é um pouco como tango cantado por um polonês”.

Após a dissolução dos chamados “Redondos”, Solari enveredou numa carreira solo, ainda que acompanhado pela banda Los Fundamentalistas del Aire Acondicionado, com quem se apresentava no último sábado. Cultivou sempre um perfil muito discreto, sem dar entrevistas e sem militar politicamente de modo aberto. O mistério ao redor de sua figura só fazia aumentar seu sucesso como símbolo cult. Em uma rara conversa com um meio alternativo, no ano passado, disse: “Não sou um sujeito muito animado, não sei se vocês vão ficar satisfeitos de conversar comigo”. Mas são justamente as suas frases que evocam o silêncio e um comportamento mais introspectivo, contrário ao de muitos artistas pop e ídolos argentinos, que o transformaram em um verdadeiro fenômeno de massas. 

Em um concerto também gigantesco como o do último sábado, em março de 2016, em Tandil, Solari anunciou diante de 200 mil pessoas que tinha mal de Parkinson. Desde então, suas aparições foram ficando ainda mais raras, assim como os shows. Muitos tinham expectativa de que o deste fim de semana poderia ser o último de sua carreira _e talvez agora, depois da tragédia, de fato o seja. Por isso, entre outras coisas, seus fãs apareceram de forma ainda mais expressiva do ponto de vista numérico. Obviamente, redobra-se a responsabilidade de quem deixou que entrasse no local reservado ao show quase 100 mil pessoas a mais do que o mesmo podia comportar, provavelmente apenas para fazer mais caixa.

É triste que a carreira de um sujeito tão querido e tão influente para uma geração inteira termine assim, com um gosto de tragédia de Cromañon (quando morreram numa boate, em Buenos Aires, em 2004, 194 pessoas). Igualmente triste será ver a politização do episódio, que já teve início, uma vez que muitos de seus seguidores eram simpáticos ao kirchnerismo, havia bandeiras da organização La Cámpora entre a audiência e logo o presidente Mauricio Macri saiu a dizer que essas coisas acontecem “quando não se cumprem as regras”, de certo modo responsabilizando politicamente as autoridades de Olavarría.

As famílias das vítimas e o próprio Solari merecem um esclarecimento justo do que ocorreu e não a transformação da tragédia num elemento de campanha eleitoral. A ver como o assunto se desenrola ao longo das próximas semanas.