Triste fim da trajetória política do homem que derrotou Fujimori
Aos 70, abandonado por seus antigos aliados políticos _entre eles o atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski_, atacado pela imprensa e único dos três ex-presidentes peruanos suspeitos de terem recebido propinas da Odebrecht a de fato ter um mandato de prisão emitido contra si, Alejandro Toledo chega ao fim de sua trajetória política de uma forma no mínimo embaraçosa. Nos EUA, agarrado a seu posto de acadêmico e professor de Stanford, não dá mostras, por ora, de querer entregar-se.
O que vemos, porém, é o ocaso de um personagem político cujo surgimento movimentou tamanhas esperanças e ilusões no Peru que, ao menos por coerência histórica, não deveria aposentar-se abraçado a um crime de forma tão vexaminosa.
Assim vêm lamentando, também, alguns de seu célebres apoiadores, como o jornalista Gustavo Gorriti e o escritor Mario Vargas Llosa, que estiveram ao lado de Toledo quando este se transformou na força política capaz de agregar votos e apoio para vencer a autocracia de Alberto Fujimori, nos anos 1990.
A arrancada política de Toledo se deu em 1995, quando este homem de origem humilde (o oitavo de dezesseis filhos de um casal de Áncash, dos quais apenas nove sobreviveram pelas condições precárias da família), que na infância tinha lustrado sapatos e sido vendedor ambulante até ganhar uma bolsa para estudar economia nos EUA, lançou o partido Perú Posible, e participou das eleições de 1995. Perdeu para Fujimori, mas se reapresentou novamente em 2000, indo com o presidente para o segundo turno. Desistiu, porém, de competir no “ballotage” porque suas denúncias de fraude no primeiro turno não foram ouvidas nem investigadas pela Justiça. Resultado, Fujimori ganhou outra vez.
Toledo propôs, então, uma resistência pacífica, e organizou protestos contra aquela autocracia que aglutinaram multidões, liderou marchas históricas como a dos “Cuatro Suyos”, em referência às quatro regiões em que estava dividido o Império Inca nos tempos pré-colombianos. Tentou alcançar os eleitores de Fujimori no interior, evocou seu passado mestiço, passou uma mensagem de conciliação que uniria a costa moderna do país aos ancenstrais confins dos Andes.
Enquanto isso, o fujimorismo se enroscava em si mesmo, devido à divulgação dos chamados “vladivídeos” e as denúncias de corrupção. Nessas gravações, o homem forte de Fujimori, Vladimiro Montesinos, chefe do Serviço Nacional de Inteligência, aparecia comprando apoio de congressistas da oposição.
Fujimori foi destituído e deixou o país ante o início de um processo de “impeachment”. Novas eleições foram chamadas em 2001, e Toledo foi ao segundo turno, desta vez vencendo Alan García com a expressiva marca de 53,08% dos votos.
Um balanço justo de seu governo veria entre os aspectos positivos o início da arrancada do crescimento do PIB, uma onda de investimento estrangeiro que começou então e se estendeu na década seguinte, a abertura do país para tratados de livre-comércio. O gosto amargo ficou por conta de uma crise de governabilidade criada por desentendimentos no Congresso, enfrentamentos com grupos indígenas que não aceitaram sua migração para o centro e o abandono da ideia de um governo popular, e o conflito com extremistas nacionalistas do interior que resultaram numa queda pronunciada de sua popularidade, que chegou a 8% _depois recuperou-se, encerrando o mandato com por volta de 35%.
Toledo foi uma promessa cumprida pela metade. Porém, pelo que simbolizou naquele momento de entusiasmo pela perspectiva de encerrar o período autoritário do fujimorismo, de devolver aos setores populares certo protagonismo, de redemocratizar o país, deveria bastar para assegurar ao ex-presidente um lugar nobre na história do Peru neste século.
Infelizmente, não vem sendo assim, ao que parece por sua própria culpa, caso se confirmem as acusações contra ele, de ter recebido US$ 20 milhões de dólares de suborno da Odebrecht. Mais, ao se negar a voltar para o Peru _Toledo há anos mantém uma atividade acadêmica nos EUA_ e enfrentar a Justiça, o ex-presidente mancha ainda mais seu legado, transformando-se num foragido da Justiça peruana e motivo de ataques à sua reputação, imagem e herança política.
É triste comparar esse quadro com o de grande esperança que ele representou, ao construir nos anos 90 a única alternativa política capaz de derrotar Fujimori.