A “década Rafael Correa”

Sylvia Colombo

Hoje publiquei em Mundo um perfil do presidente equatoriano, Rafael Correa, que deixa o cargo em maio. Por questões de espaço, não pôde sair completo. Aqui, segue o texto na íntegra:

O presidente equatoriano, Rafael Correa, que deixa o cargo em maio (Foto El Universo)

Mesmo que o candidato do governo vença a eleição no Equador, cujo primeiro turno ocorre no domingo (19), uma coisa é certa.

Em maio, quando terminar o mandato do atual presidente, será também o fim de um ciclo, a “década Rafael Correa”.

Nem Lenín Moreno, seu herdeiro político, nem Guillermo Lasso ou Cynthia Viteri, seus opositores, têm o perfil personalista do atual mandatário.

“Todos têm algo em comum, e é o fato de que nenhum deles é Correa, o que já significará uma imensa mudança”, diz à Folha a professora e analista equatoriana Gabriela Polit, da Universidade do Texas.

Para seus críticos, o personalismo de Correa foi sinal de arrogância e de autoritarismo. Para seus apoiadores, uma prova do pulso forte e de uma presença quase paternal.

Mesmo com a economia agora em recessão, Correa sai do cargo com 42% de aprovação _índice alto para a América Latina, mas baixo para seu padrão, que chegou a atingir os 65% na época em que o país vivia o “boom das commodities” e cujo PIB crescia a uma taxa de 7,6%.

A herança positiva desta década está marcada, justamente, pelos bons ventos da economia _Correa venceu as eleições de 2006, 2009 e 2013.

A bonança econômica permitiu dobrar os gastos em saúde e educação, financiar moradias e planos sociais, reduzindo a pobreza de 37%, em 2007, para 23%.

Mesmo seus opositores concordam que os gastos não se reduziram a distribuição de benefícios à curto prazo, Correa também investiu em infraestrutura, construindo milhares de novos quilômetros de estradas e reformando as antigas, além de inaugurar e reformar aeroportos.

Também existe um consenso na sociedade de que a chegada de Correa foi importante para colocar fim numa instabilidade política que já era crônica no Equador.

Na década anterior, entre 1996 e 2005, o país teve nada menos que oito presidentes. “Nós dormíamos com um e acordávamos com um outro, isso gerou enorme insegurança na população. Tudo o que queríamos era que aquela instabilidade parasse”, diz o bancário Edwin Muñoz, 52.

Até que surgiu no cenário esse personagem novo na política. Correa não estava ligado a nenhum partido tradicional. Era um economista que tinha feito pós-graduação na Bélgica e nos Estados Unidos. Religioso, havia passado um tempo no interior, com um monsenhor da Teologia da Libertação, aprendendo quéchua com os indígenas.

Quando se elegeu com uma plataforma de esquerda, Correa tomou carona no chavismo. Mas, apesar de alinhar-se com Hugo Chávez (1954-2013) e com outros governos esquerdistas do continente _no anti-americanismo, no discurso populista e nas políticas assistencialistas_ Correa preferiu percorrer um caminho próprio, voltando-se mais para dentro de seu país. Também deixou a esquerda mais radical e migrou para o centro, fazendo alianças com o empresariado a adotando medidas pragmáticas na economia.

Também diferentemente do venezuelano, Correa não se apoiou nos militares, nem simplificou demais seu discurso, até porque guardava uma importante diferença com seus pares esquerdistas da região _ uma formação acadêmica bastante superior, com um PhD em economia.

Mas, se as melhorias na vida dos pobres logo se fizeram sentir, o país foi perdendo em outros aspectos.

Especialistas apontam para o ano de 2010 como o ponto em que Correa passou a centralizar o poder e a avançar contra as instituições.

O estopim teria sido a crise da polícia em 2010 _uma rebelião de oficiais reprimida de forma dura pelo governo, com saldo de um morto.

O presidente acusou ter sido vítima de um golpe de Estado. A partir daí, limitou os poderes da Justiça e acirrou seu avanço contra a imprensa.

“O poder, no Equador, passou a se concentrar praticamente apenas no Executivo”, diz Polit.

Por outro lado, já sentindo a desaceleração da economia mundial, Correa fez concessões a empresas chinesas para ampliar a exploração de minas em territórios pertencentes aos indígenas. Como estes haviam sido chave para a formação de sua base eleitoral, instalou-se um conflito. Houve protestos no interior, e Correa passou a favorecer organizações e sindicatos que se alinhassem a ele e fizessem oposição aos que se rebelavam.

A segunda grande crise começou em 2015, quando Correa começou a aumentar impostos para aumentar a arrecadação e seguir com o alto gasto público. Houve a imposição de uma nova taxa, o “imposto à plusvalia”, sobre as transações imobiliárias, e depois as “contribuições solidárias”, porém obrigatórias, por conta do terremoto de 2016, além de um aumento do IVA, que seria temporário, mas nunca se interrompeu. A população, então, foi às ruas, e protestos foram registrados em várias cidades.

Na reta final de seu governo, estouraram os escândalos da empreiteira brasileira Odebrecht, envolvendo obras contratadas durante seu mandato e o da Petroecuador, petrolífera do Estado acusada de desvio de recursos.

A degradação da economia e o desgaste de sua imagem estão por trás da negativa de Correa de concorrer a um quarto mandato _algo a que estaria habilitado, uma vez que aprovou tal recurso em 2015.

Aos 53, decidiu que dedicará tempo à sua família. Casado há mais de 20 anos com a belga Anne Malherbe, e com dois de seus três filhos vivendo na França, Correa anunciou que irá morar na Europa.

Porém, no começo da semana, brincou,  numa entrevista à uma rádio, que: “se eles se comportarem mal (referindo-se a quem o sucederia), eu volto para concorrer a um outra eleição, e olha que vou derrotar a todos novamente.”