“O que vocês fariam?”
Os mexicanos sabiam que 2017 não seria um ano fácil, por duas razões. A primeira era a eleição de um presidente dos EUA que não cansa de repetir um discurso anti-mexicano e que chama o Nafta (acordo de livre-comércio entre os países da América do Norte) _principal impulsor da economia do país nas últimas décadas_ de “um desastre”, ameaçando implodi-lo. A segunda é o crescente descontentamento interno com a degradação da economia, como pude ver e reportar para a Folha em viagem recente ao país.
O que vem acontecendo no México nas últimas semanas, porém, é a deterioração da situação anunciada na reportagem citada. Situação esta que, infelizmente, já vem cobrando algumas vidas. Um anúncio repentino, por parte do governo, de um aumento de 20% no preço da gasolina foi o estopim para que uma onda de descontentamento fosse parar nas ruas na forma de protestos, alguns violentos, em praticamente todo o território. Até agora, o chamado “gasolinazo” já causou seis mortes, além da detenção de mais de mil pessoas e de centenas de saques, reportados em 27 dos 32 Estados do país.
O que vem causando mais indignação nos mexicanos nos últimos dias, porém, é a reação débil e errática de seu mandatário. Num pronunciamento oficial, tentando mostrar firmeza (veja o vídeo abaixo), Enrique Peña Nieto disse que os problemas do país são hoje de natureza “externa”, que aumentar a gasolina nesse nível era “a única alternativa para não cortar os planos sociais”, e que a culpa dessa situação era de uma herança que viria de governos anteriores _quando ele já está no cargo há nada menos que quatro anos.
Mas nada disso foi mais desconcertante do que o momento do discurso em que Peña Nieto simplesmente soltou essa a seus compatriotas: “O que vocês fariam no meu lugar?”.
É compreensível que o presidente se sinta confuso diante da complexa situação que tem diante de si, mas jogar uma pergunta como esta à população que o elegeu por meio das urnas é nada menos que deixar claro que ele, o presidente, o comandante da nau, não tem ideia de por onde seu barco navegará.
Prova disso são suas atitudes recentes. Depois de afastar o funcionário que lhe havia recomendado que convidasse o ainda candidato Donald Trump a visitar o país _algo que causou rejeição nacional e vergonha internacional_, o mandatário simplesmente o chamou novamente para exercer um cargo-chave em sua gestão.
Agora, Luis Videgaray, o artífice do patético encontro, é o novo ministro das Relações Exteriores do país. Em uma de suas primeiras declarações, sem ser perguntado, saiu afirmando que a relação com os EUA “não será de submissão”, o que evidencia ainda mais o nível de insegurança do governo.
Peña Nieto tampouco se pronunciou oficialmente de forma clara sobre o muro na fronteira, cuja fatura Trump insiste que irá parar em suas mãos. Debilmente, ensaia apresentar uma contraproposta para as críticas do novo mandatário norte-americano para o Nafta, numa tentativa para que o acordo não seja rasgado completamente, mas remendado, de modo que o México continue perdendo, mas pelo menos que não perca tanto quanto Trump gostaria.
Ainda antes de sentar-se na cadeira presidencial, o presidente-eleito norte-americano já tem tido êxito em desviar, sob pressão, o investimento de montadoras estrangeiras em novas plantas em território mexicano. Quanto a isso, tampouco se viu uma reação efetiva de Peña Nieto. Se saem as montadoras, são mais vagas de trabalho de mexicanos que se fecham, fazendo crescer a taxa de desemprego.
Nesta segunda-feira (9), o presidente reuniu seus ministros novamente, e anunciou que o governo fará um “ajuste” em seus próprios gastos e que adotará medidas de austeridade.
A falta de perspectiva e de clareza sobre o que o governo fará é o que tem levado os mexicanos às ruas carregando cartazes que dizem: “Fora Peña”. É certo que o cenário internacional não oferece um panorama generoso, com a desaceleração mundial e um vizinho do norte agressivo com relação à economia mexicana.
Mas é de causar preocupação que tanto Peña Nieto como sua cúpula não tenham uma estratégia mais clara para enfrentar esses tempos. Pior, que apostem numa política de ajustes e de aumento significativo dos combustíveis, em um momento tão delicado em que precisam ganhar, e não perder, o apoio popular _o nível de aprovação do presidente está em 25%, e caindo.
Nas ruas, onde a população cobra medidas mais efetivas, surgem em forma de grito os temas que Peña Nieto não cita em seus pronunciamentos: os escândalos de corrupção em que estão envolvidos vários membros de seu gabinete _e inclusive sua mulher_, o aumento dos homicídios em mais de 15% nos últimos meses, a ausência do Estado nas regiões, o fato de um ex-governador do PRI estar foragido, a disparada do dólar, coisas que já vinham incomodando os mexicanos desde muito antes de Trump ser eleito.
Agora, as coisas apenas ficaram ainda mais difíceis, e dois anos de mandato começam a parecer uma eternidade, tanto para Peña Nieto como para os mexicanos.