Série baseada em livros de Padura expõe Cuba dos anos 1990

Sylvia Colombo
O ator cubano Jorge Perrugoría, em cena da minissérie (Foto Divulgação)
O ator cubano Jorge Perrugoría, em cena da minissérie (Foto Divulgação)

Já está disponível no Netflix “Las Cuatro Estaciones en La Habana”, série que dá vida aos romances policiais do cubano Leonardo Padura. Confesso que sempre fui mais fã da obra recente do autor de “O Homem que Amava os Cachorros” (Boitempo) do que dessas quatro novelas noir dos anos 1990. Porém, nessa ótima produção cujo roteiro foi adaptado pelo próprio Padura, tendo como protagonista o sempre charmoso Jorge Perrugoría (“Morango e Chocolate”) e a deslumbrante fotografia do espanhol Pedro Márquez, as histórias ganham em vigor narrativo, cores e suspense, além de jogarem luz a questionamentos atuais sobre Cuba.

Concebida durante o chamado “período especial”, quando a ilha viveu grave crise econômica devido ao colapso da então União Soviética, a minissérie é composta de quatro episódios que têm praticamente a duração de um filme, e veem a sociedade cubana e as contradições do regime de Fidel Castro (1926-2016) pelos olhos do investigador Mario Conde.

Para quem não está familiarizado com o personagem, trata-se de um homem em profundo conflito consigo mesmo. É um policial, mas preferia ser um escritor. Vive nostálgico de uma época em que sonhou com um país melhor, mas, agora que está metido nas entranhas do sistema, vê sua deterioração. Também não desiste de buscar um amor verdadeiro, e parece que cada livro renova sua esperança de encontrar a mulher de sua vida. Mas, no fim, o detetive se vê apenas diante de mais um fracasso, o que o leva de volta à sua velha máquina de escrever, em sua casa que é uma dessas decadentes, mas lindas, residências coloniais, em que o vento do mar sopra para aliviar suas dores à noite.

Cada história ilumina um aspecto da sociedade cubana de então. Em “Ventos de Quaresma”, Conde é levado a investigar uma rede de narcotráfico na qual a escola em que estudou está envolvida. Ali, uma professora de vida promíscua é morta brutalmente. A trama o leva ao submundo de Havana, onde possui um amigo de infância que age como seu informante. Como o detetive vive, ele próprio, no limiar da marginalidade, ela não lhe parece estranha. Logo, sua esperteza e sua sensibilidade para esse universo o levam a desvendar o crime. Só que tanto nesse caso como nos seguintes, o investigador sabe que está pegando apenas os “peixes pequenos” de negócios ilícitos em que gente muito mais influente está envolvida.

O caso seguinte, “Passado Perfeito”, investiga a desaparição de um empresário renomado na ilha, casado com uma ex-paixão de Conde. Para seu azar, a antiga amada é uma das principais suspeitas. Mas, ainda com o julgamento nublado pelas emoções, Conde chega lá. Mais uma vez, os que mandam na ilha parecem rondar o que ele vai encontrando de sujo pelo caminho.

O terceiro, “Máscaras”, leva Conde ao mundo da comunidade LGBT de Cuba. A princípio, o detetive nem quer pegar o caso, por se tratar de um universo que ignora e, não esconde, do qual tem certo preconceito. A vítima é um garoto homossexual, filho de um figurão político da ilha. Como Conde é o melhor investigador de sua divisão, seu chefe o força a abraçar o desafio. Conde então se depara com as perseguições que levaram esse grupo ou a desaparecer ou a exilar-se ou ser obrigado à clandestinidade e, depois, à marginalidade. O policial não apenas muda de ideia e desveste-se de seus preconceitos como acaba até submetendo um de seus textos a um diretor de teatro homossexual que lhe abre as portas desse planeta e de certa forma o inspira.

Por fim, “Paisagem de Outono” _cujo livro acaba de sair pela primeira vez no Brasil, junto à reedição dos anteriores_, é a história derradeira de Conde nessa fase (o autor retomou o personagem recentemente). Aqui, já com um pé para fora da polícia, o investigador tem de buscar o assassino de um ex-alto funcionário do regime, que em seus tempos áureos havia chefiado as expropriações dos bens dos cubanos ricos que haviam fugido da Revolução no começo dos anos 1960. Considerado na época funcionário modelo, o tal sujeito, após desviar obras de arte valiosíssimas, tinha fugido para Miami. Num retorno à ilha para buscar um de seus tesouros, é assassinado. Tudo isso acontece quando a própria polícia está passando por uma investigação interna de corrupção, e mesmo Conde e seu chefe são investigados.

Cansado do clima de delação e de extrema vigilância da corporação, o policial faz seu trabalho a contragosto, mas mesmo assim descobre a chave do crime _que era, obviamente, algo de que ninguém, nem seu fiel e disciplinado ajudante Manolo (Carlos Almirante), desconfiava. Na boca, fica novamente o gosto amargo de descobrir o executor de um crime, mas de permanecer longe daqueles que são criminosos maiores, mas seguem intocados por terem influências e riquezas.

Seria interessante saber o que o pessimista Conde pensaria da Cuba de hoje, na qual tantas dessas questões dos anos 1990 parecem ainda vigentes. Hoje, porém, um vento de mudança parece soprar perto da ilha, algo que o detetive, pelo menos na época retratada na minissérie, não parecia acreditar que iria ocorrer.