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México leva thriller sobre imigração ilegal ao Oscar

Sylvia Colombo
Gael García Bernal em cena de "Desierto" (Foto Divulgação)
Gael García Bernal em cena de “Desierto” (Foto Divulgação)

Assim como a Colômbia, que escolheu um filme sobre sua atual realidade política e social _”Alias Maria”, sobre uma guerrilheira das Farc_, o México também apresentará um de seus dramas contemporâneos como candidato a melhor filme estrangeiro no Oscar 2017. E o assunto não poderia ser mais premente, a imigração ilegal, uma das obsessões do presidente-eleito Donald Trump, que quer construir um muro na fronteira para impedir que pessoas que fogem de realidades violentas e da pobreza no México e na América Central possam buscar algum alívio no Norte.

Vi o eleito mexicano para representar o país na competição ontem, aqui na Cidade do México.  “Desierto”, com direção de Jonás Cuarón, conta a história de um grupo de imigrantes que tenta cruzar a fronteira desértica entre o México e os EUA numa pequena camioneta conduzida por brutos “coiotes” (como são conhecidos os que se dedicam a levar imigrantes, a preço de ouro e oferecendo tratamento abusivo). Gael García Bernal (Moisés) é um deles, e é a segunda vez que o personagem faz essa viagem. Deportado, está tentando voltar aos EUA, onde deixou um filho.

As coisas começam a dar errado cedo, a camioneta enguiça, o grupo passa a ter que caminhar quilômetros e, logo após cruzar a cerca (por enquanto só há uma cerca naquela região), um perigo muito mais assustador que o cansaço, o calor e a falta de água de repente pousa sobre o grupo. Os imigrantes acabam de ser localizados por um “vigilante”, interpretado por Jeffrey Dean Morgan, que ameaça alvejar um a um, de coiotes a imigrantes.

Quem achava o ator assustador como o maldoso Negan, da nova fase de “The Walking Dead”, não viu nada. Aqui ele encarna Sam, protótipo do macho branco nacionalista e supremacista que, nos últimos tempos, tem se juntado a outros nas regiões fronteiriças e, assim, se prontificado a fazer, de modo muito mais cruel e sangrento, o trabalho da Border Patrol.

Enquanto esta localiza os imigrantes, os leva para abrigos e depois para as instâncias nas quais têm de explicar o que fazem nos EUA antes que sejam, ou não, deportados, os “vigilantes” vão direto ao assunto. Caçam e matam os chamados “aliens” no primeiro encontro. Como quem estivesse “caçando coelhos”, como o próprio personagem de Dean Morgan diz ao explicar a um patrulheiro o que andava fazendo sozinho por aquelas bandas.

Os “vigilantes” consideram que devem fazer a justiça pelas próprias mãos e acham que o Estado é fraco, por seguir protocolos e respeitar, pelo menos nas aparências, os direitos humanos dos que cruzam a fronteira ilegalmente.

Sam não fala muito, mas o que sai de sua boca são frases de efeito que caberiam bem nas dos representantes dos grupos alt-right norte-americanos. Logo no começo, solta: “benvindos à terra da liberdade”, depois de assassinar friamente um grupo de imigrantes, ou “essa é a minha casa”, ao arrancar em desabalada carreira na perseguição de outros.

O filme logo se transforma numa caça de gato e rato. Sem querer dar “spoilers”, mas já dando, o personagem de Gael é um dos poucos do grupo que sobrevive à sanha sangrenta de Sam. E a trama, então, se transforma num thriller no meio do deserto, entre cobras, cactos e a aridez de pedras que podem servir tanto de esconderijo como de emboscada. A fotografia é deslumbrante. E o fime é tomado pela aflição sobre quem vai conseguir encurralar o outro.

Cuarón é pouco mais que um novato, mas já segue uma carreira estrelada. Com o pai, Afonso, escreveu o roteiro de “Gravidade”, ganhador do Oscar de 2014. Conta que, quando começou a pensar no filme, a questão da imigração ilegal obviamente já era urgente, mas não vislumbrava a importância que ganharia na campanha eleitoral e na posterior vitória de Trump. O diretor diz que tirou inspiração de “Encurralado”, de Steven Spielberg.

Com quase nada de diálogos, o filme mantém os olhos do espectador vidrados, como se estivesse a qualquer momento esperando o ataque do cão Tracker, que acompanha Sam em sua caçada, ou uma bala certeira de sua espingarda de longo alcance.

Em Toronto, o filme ganhou o prêmio da crítica. Vamos ver como o Oscar se posiciona com relação a uma produção com esse tema, com os EUA fazendo papel de bandido, e já em plena gestão Trump. Tomara que o mexicano “Desierto” ganhe a informal “vaga” latina entre os filmes estrangeiros. Não vi todos, mas é de longe melhor que os representantes brasileiro e colombiano.

 

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