Documentário traça vida de mulheres que alimentam imigrantes
Um documentário de arrancar lágrimas que voltou a entrar em cartaz aqui no México, depois de uma exitosa tour por festivais europeus, ilustra muito bem o aspecto humano do fenômeno da crise dos refugiados da América Central, tema de matéria que publiquei hoje na Folha Mundo.
“Llévate Mis Amores”, que assisti ontem na incrível Cineteca Nacional, conta a história do grupo de mulheres conhecido como Las Patronas, que vivem no povoado de Guadalupe La Patrona, no Estado de Veracruz, por onde, todos os dias, passa o trem que cruza o México até a fronteira com os Estados Unidos.
Nos últimos 20 anos, esse trem, conhecido como “La Bestia”, se transformou no principal meio de transporte dos imigrantes que fogem do conflito na América Central. Sem dinheiro, e esperando cruzar a fronteira para buscar segurança e trabalho para si e suas famílias, esses refugiados viajam no teto e nas laterais do trem, segurando-se como podem às suas ferragens. Não é preciso dizer que muitos caem, às vezes perdem um braço ou uma perna, noutras, morrem.
Las Patronas nasceu da iniciativa de duas mulheres desse povoado que, em 1994, ao perceberem que o trem passava por ali cada vez com mais gente pendurada, resolveram fazer algo para ajudar os viajantes. Começaram a jogar pães e garrafas de plástico cheias de leite.
Aos poucos, como mostra o documentário, sua atitute foi comovendo outros habitantes do vilarejo, o grupo aumentou e passou a se organizar. Hoje, são mais de 20 mulheres que, diariamente, entregam cerca de 500 refeições por dia aos viajantes da “Bestia”. São mais de 40kg de arroz e 30kg de feijão, além de alguma carne ou atum, que preparam em grandes panelas de ferro. Depois, embalam as refeições em sacos plásticos e, ao ouvir os primeiros ruídos do trem se aproximando do local, correm até a via, e atiram os sacos e as garrafas aos refugiados que, de forma desajeitada e desesperada, tentam agarrar a maior quantidade de alimentos possível.
O grupo das Patronas chegou a ser ameaçado de ser processado pelas autoridades mexicanas por ajudar imigrantes ilegais. Mas ONGs de direitos humanos pelo mundo prestaram solidariedade, as Patronas receberam prêmios nacionais e internacionais, como o Princesa de Asturias, e mobilizaram a atenção de artistas e intelectuais. A projeção internacional levou a Justiça a calar-se e permitir sua atuação.
Além disso, campanhas, como a organizada pela escritora Elena Poniatowska e o ator Damián Alcázar, começaram a facilitar a chegada de doações de todo o país para que as Patronas não tivessem mais que doar o próprio alimento aos imigrantes.
O jovem diretor Arturo González Villaseñor, 30, conta que não quis entrar no mérito da legalidade da imigração, nem perder-se nas cifras que costumam traduzir esse grave problema social internacional a uma simples planilha de dados.
“Meu interesse era contar essa história pelo lado humano, não só dos refugiados, mas também dessas mulheres, cujas trajetórias refletem muitos dos problemas mexicanos”, conta.
De fato, a maioria revela diante das câmaras biografias bastante sofridas. Há aquelas que contam ter sonhado com ir à universidade, mas que a escola local, por ser muito fraca, não lhes deu condições para passar nos exames necessários. As que quiseram ter profissões, mas que maridos ou pais não permitiram, por serem mulheres. Inúmeras histórias de machismo, de homens que se opuseram que elas deixassem de cuidar do lar para participar das Patronas. Mas também há relatos inspiradores, de maridos e companheiros que se sensibilizaram e hoje ajudam no trabalho das Patronas.
Ajudar os imigrantes é, para muitas, uma espécie de redenção, segundo o diretor. Se na primeira parte de suas vidas não tiveram opções, foram cerceadas pelo machismo e pela pobreza, nesta segunda sentem-se realizadas ao ajudar ao próximo. E o resultado está nas caras sorridentes e nas comemorações que fazem quando os sacos plásticos não escorregam nem caem e são entregues a seus destinatários.
Quaisquer autoridades, mexicanas ou norte-americanas, que comecem agora a redesenhar uma nova política para a fronteira entre os dois países, deveriam incluir na lista de afazeres conhecer a viagem da “Bestia” e o trabalho das Patronas.