“Vivemos na era da pós-verdade”, diz John Carlin

Sylvia Colombo
O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump
O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump

O articulista e jornalista britânico John Carlin havia escrito, há algumas semanas, o artigo “2016 – O Ano em que Vivemos Estupidamente”, no jornal “El País”, dizendo que, após o Brexit e a vitória do “não” na Colômbia, só o que restava era a eleição de Donald Trump para demonstrar que “os resultados eleitorais deste ano estão sendo definidos pelo cinismo manipulador dos políticos e pela ignorância, negligência e irresponsabilidade dos eleitores.”

Em entrevista à Folha nesta quarta (9), Carlin disse que os três episódios estão conectados, e tem a ver com o fato de que “estamos vivendo na era da pós-verdade, em que mentir de forma desavergonhada premia os políticos que o fazem”. E diz considerar preocupante que “três mentirosos ameacem mudar de forma tão definidora os destinos de seus países”.

Carlin se refere, em primeiro lugar ao político conservador e ex-prefeito de Londres Boris Johnson, uma das peças centrais na campanha pelo “leave” no referendo que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia. “Ele conseguiu convencer parte da sociedade britânica de que o país seria invadido por hordas de imigrantes, de que a Turquia seria esvaziada de todos os seus habitantes e que os refugiados viriam todos para cá”, contou, em entrevista por telefone, desde Londres, onde vive.

Depois, Carlin apontou para o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e sua influência para fazer com que mais de 6 milhões de colombianos votassem “não” ao acordo de paz a que haviam chegado o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e que poderia encerrar uma guerra de mais de 50 anos. “Uribe disse coisas absurdas, que o país se transformaria na Venezuela, que um homem como [o mandatário Juan Manuel] Santos pode ser considerado um comunista, que o país seria entregue à guerrilha e que o próximo presidente do país seria ´Timochenko´ [atual líder da guerrilha]”.

Carlin acha também que o pleito colombiano foi um “plebiscídio”, e que Santos cometeu um erro ao convoca-lo. Ainda assim, culpa mais a Uribe, que “influenciou negativamente o processo ao encher os corações e mentes dos colombianos de mentiras sobre o que poderia acontecer”.

Também no caso da vitória de Trump, para Carlin “prevaleceram as mentiras” que o presidente-eleito contou durante a campanha. “O que funcionou para esses três políticos foi apelar para o medo, para os instintos mais primários. Como na pré-história se temiam os mamutes, convenceram de que ´o outro´ era ameaçador, assustaram e usaram de forma despudorada o racismo e a xenofobia para ganhar votos.”

Por fim, conclui que os três episódios apontam para um momento da história da humanidade em que o conhecimento tem deixado de ter valor. “O Iluminismo está em crise. Nesses três casos, a mentira venceu. Não sei nem se devemos analisa-los como temas políticos. Não estou certo se cabe uma análise política de um fenômeno como Trump. Estamos em outro terreno, podemos chama-lo de realismo mágico, de antropologia, de qualquer outra coisa. E o pior é que parece haver um desprezo generalizado dos cidadãos comuns, uma revolta clara contra tudo o que pode ser classificado como elite intelectual e jornalística. Ser um expert num assunto hoje perdeu valor. É muito preocupante.”