Os 100 primeiros dias de um líder improvável

Sylvia Colombo
O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski (Foto AP)
O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski (Foto AP)

O presidente peruano de centro-direita Pedro Pablo Kuczynski, 78, ganhou as eleições neste ano por uma margem muito pequena (cerca de 50 mil votos) e boa parte de seus eleitores queriam mais era afugentar a ameaça da volta do fujimorismo do que votar nele por pura convicção. Logo de cara, as dificuldades que surgiam diante deste mandatário criado fora do Peru e criticado por não conhecer bem seu país não eram poucas. Apesar da boa performance macroeconômica, o Peru começava a sentir o abalo da desaceleração econômica mundial, a crise regional, o aumento dos conflitos sociais no campo, enquanto no Congresso sua agrupação política não contava com mais do que 17 deputados.

Não é por menos que seus 100 primeiros dias de governo, completados nesta semana, foram coalhados de fricções internas e dificuldades. Aos poucos, PPK começa a trilhar a senda histórica dos presidentes peruanos, cuja popularidade começa a cambalear no princípio do governo e tende a ir despencando ao longo do mandato. Se no primeiro mês, após derrotar Keiko Fujimori, PPK chegou a ter 70% de aprovação, agora as pesquisas lhe dão entre 52% e 55%, o que está bem acima de outros líderes da região no momento, mas que mostra um desgaste acelerado.

Para isso, colaboram alguns fatores.

Primeiro, houve um escorregão logo de cara justamente com o parlamento. Um pouco desbocado como de costume, PPK logo afirmou não se assustar com os mais de 70 deputados fujimoristas que o compõem, e soltou a seguinte frase, entendida como uma gafe incômoda: “desses 73, há uns 30 que apoiaram Keiko achando que ela ia ganhar e que eles assim receberiam benefícios”. Muitos dos deputados não gostaram da sugestão de que seriam passíveis de corrupção e o clima que já não era bom para PPK na casa ficou um pouco mais amargo.

Depois, veio um escândalo de corrupção envolvendo um ex-assessor do presidente, Carlos Moreno. O caso soma-se a outras acusações e denúncias contra funcionários próximos, o que mancha um pouco seu discurso de campanha, de que seria um presidente com “tolerância zero” com a corrupção.

Também contam contra ele a falta de habilidade para lidar com o tema da mineração, algo em que Keiko Fujimori vinha trabalhando com mais afinco. Em muitas regiões do Peru, comunidades revoltam-se com a expansão da mineração a céu aberto e contra o aumento de áreas para a mineração que obrigam comunidades a serem removidas, assim como é latente o avanço da mineração ilegal. O ambiente nessa área vem se tornando mais tenso, com protestos por ora pontuais ocorrendo no interior do país.

Entretanto, das fronteiras para fora, PPK vem surgindo, de modo improvável, como um líder reluzente e de tom firme. Num momento de vazio de comando regional na América Latina, vai se transformando num chefe regional quase que casualmente. Com o Brasil vivendo ainda uma fase de transição pós-“impeachment”, uma Argentina na qual Macri tem tido crescentes tensões internas para resolver, um México desmoralizado por não conseguir conter a violência do narcotráfico e uma Colômbia completamente concentrada nos assuntos relacionados ao processo de paz, parece estar caindo no colo de PPK a responsabilidade de falar mais alto, nos fóruns regionais, sobre os problemas da região.

Pelo menos foi essa a sensação que passou na última Cúpula Iberoamericana, em Cartagena, quando foi o único presidente a levantar a voz para tratar da crise na Venezuela, frente a frente com a representante desse país _que acabou sendo a chanceler Delcy Rodríguez, em vez do próprio Nicolás Maduro, que desistiu no último minuto. No mesmo encontro, os chanceleres do Mercosul preferiram a prudência e disseram que aguardariam o esperado diálogo de governo e oposição mediado pelo Vaticano.

“Não falo por querer me intrometer em assuntos de outro país, nem por estar defendendo alguma posição ideológica, mas sim porque creio que nossos países têm de andar para frente e não retroceder”, disse, em sua intervenção aberta, deixando claro que falava da Venezuela. Apesar de os temas da Cúpula serem a educação e a juventude, PPK afirmou que não se podia desviar a atenção dos problemas graves e urgentes que ocorrem neste momento no país-vizinho. E essa foi apenas a parte pública.

Em privado, no almoço entre os líderes que não pôde ter presença de público ou de jornalistas, PPK foi ainda mais agressivo e sincero ao criticar o governo venezuelano e a chamar a atenção para a gravidade da situação. Quem esteve ali dentro contou que, titubeante, a chanceler venezuelana apenas fazia uma defesa teórica e emotiva da alma do chavismo e não conseguia articular uma defesa concreta. PPK ainda vem tentando, com os pares da região, articular uma ação mais enfática para tentar solucionar a crise do país, que desestabiliza a região.

É curioso e improvável que um senhor já de avançada idade, que teve pouco mais de 20% dos votos no primeiro turno das eleições em seu país, que a venceu apenas por conta do voto útil de rejeição ao fujimorismo e que tem um Congresso voltado contra ele dentro de casa, fora dela estaja juntando forças e começando a desenhar-se como o líder regional de que a América Latina, pelo menos neste momento, não possui e carece de modo urgente.