Um Nobel da Paz tem força para trazer a paz?
É uma pena, mas a resposta mais imediata para essa pergunta parece ser “não”. Pelo menos no que se refere à Colômbia.
Numa semana fervilhante na terra que deu origem a Macondo e ao chamado “realismo mágico”, os colombianos ainda estão tentando entender o que aconteceu. Depois de uma derrota do “sim” no plebiscito da paz por uma diferença mínima de votos (50,2% a 49,7%), um “day after” em que se via um presidente apático, derrotado, ter de receber, humilhado, ao grande rival, que se impôs com a vitória do “não” (Álvaro Uribe), e que ficou nada menos quatro horas dizendo-lhe o que achava que estava errado no acordo, Juan Manuel Santos despertou na sexta-feira com a notícia de que tinha recebido nada menos do que o Nobel da Paz.
O prêmio já foi concedido a pessoas por conquistas passadas, ou por tentativas de conquistas, ou pelo conjunto de uma obra que ainda está por ter um desenlace. Mais que um feito, o Nobel da paz premia um esforço. E é por isso que, por mais que soe contraditório, o Nobel a Santos, poucos dias após a derrota do plebiscito, faz sentido. Há pelo menos quatro anos esse homem comanda de modo obstinado uma negociação com uma guerrilha que espalhou sangue pela Colômbia, fez mais de 250 mil mortos e tirou 8 milhões de suas casas.
A pergunta que se faz agora é se o prêmio tem chance de reverter o resultado de domingo ou ajudar num eventual novo processo a ser iniciado. O consenso geral dos analistas que vêm opinando é que o prêmio pode até ajudar, dar sobrevida política a Santos, mas agora, assim como antes, a paz ainda depende daqueles envolvidos em negocia-la. Como bem disse o analista argentino Juan Tokatlian, professor da Universidade Torcuato di Tella, especialista em Colômbia e um dos acadêmicos que mais entendem de América Latina na região hoje: “O Nobel é talvez a última maneira que a comunidade internacional tem de dizer à Colômbia que deve seguir buscando o processo de paz.”
Sim, porque os outros países outra coisa não podem fazer. Já apoiaram as negociações, alguns ofereceram território e observadores, vários se reuniram na festa do dia 26, vestiram “guayaberas” brancas e se postaram ao lado de Santos para dar-lhe apoio. Agora, cabe aos envolvidos. E os envolvidos _as urnas já disseram e uma observação das ruas e do interior colombiano comprovam_ estão tão dividido como antes.
A verdade é que o documento de Havana está moribundo, soltando seus últimos suspiros de vida. A perspectiva de que esse texto permaneça vivo e seja aceito como está é muito pequena. Pelas seguintes razões. A primeira, o cessar-fogo que o garante acaba em 31 de outubro, e é difícil que até lá sejam reformados os pontos que a oposição quer, sem um esforço e uma rapidez descomunais. Só para se ter uma ideia, o artigo relacionado à reforma agrária tomou 12 meses para se chegar a um consenso, o das vítimas dois anos. Achar que todos os retoques poderão ser feitos em 21 dias é ilusório. Claro que se pode negociar uma extensão do cessar-fogo, mas isso também dependerá de uma negociação nada simples.
As Farc e o governo aceitaram ouvir os pontos daqueles que defendem o “não”. Até antes do Nobel, Uribe era bem claro. São eles: cabeças das Farc na prisão, prisão de verdade e não reparação comunitária, narcotráfico como crime não-anistiável em nenhuma circunstância, não-elegibilidade política para ex-guerrilheiros, e fim da Justiça transicional que possa colocar no banco dos réus, além de ex-guerrilheiros, militares (muitos que atuaram durante o mandato de Uribe) e civis envolvidos em crimes conexos à guerra (o próprio Uribe).
O líder das Farc, Rodrigo “Timochenko” Londoño já avisou que esses termos, assim como foram formulados, não são aceitáveis, e que a alternativa seria que as Farc voltassem aos montes e selvas. Sua justificativa é que a única razão para que a guerrilha tenha topado sentar-se a negociar foi a promessa de que poderiam entrar na política. Se o ponto principal de Uribe é um “não” a essa possibilidade, é muito provável, portanto, que a guerra siga.
Para tentar essa solução de curto prazo, já começaram as conversas entre os escolhidos de ambos os lados para dialogar com as Farc. Representando o governo estão Humberto de la Calle (chefe dos negociadores), a chanceler Maria Holguín e o ministro da Defesa, Luis Villegas. Do lado do uribismo estão o ex-candidato Óscar Iván Zuluaga, o provável presidenciável da força para 2018, Ivan Duque, e Holmes Trujillo.
Antes do Nobel, este seria um encontro de surdos, porém, depois do Nobel, é possível que os uribistas se vejam numa situação em que devem dar, pelo menos agora, um passo atrás. Uma vez que o presidente colombiano ganhou capital político e mais apoio internacional, o uribismo pode se intimidar e abrandar os termos que antes eram considerados inegociáveis. Ou seja, admitir a elegibilidade política, mas adia-la ou colocar algum entrave, permitir que se anistie algum tipo de atividade ligada ao narcotráfico, e que a exigência de prisão para os líderes seja mais branda, como se fez com o acordo com os paramilitares, ainda sob Uribe, nos anos 2000.
Mas essa é apenas uma possibilidade. Também está aquela em que o Nobel não seja respeitado. Para que sua força ecoe dentro da Colômbia, um fator fundamental deve ocorrer, e de fato está ocorrendo: a população pró-“sim” está saindo às ruas em manifestações. Se esse movimento cresce, o uribismo perde ainda mais força, e pode ter de capitular em outras de suas exigências.
A queda de braço pode seguir por semanas ou meses. Se tomar muito tempo, também matará o acordo, uma vez que 2018 é ano eleitoral, e portanto a disputa tomará outras cores. O próximo presidente pode ser um uribista e o acordo voltará para o limbo. Então, tudo teria de ser iniciado do zero, com novas equipes e novos critérios.
A questão que está posta aqui gira em torno da mesma disputa que tem marcado a história recente da Colômbia. De um lado, está Uribe e seus 6,6 milhões de votos (os que escolheram o “não”). Do outro, Santos, até segunda-feira passada um líder derrotado e com menos 20% de popularidade. Só que agora Santos é outra pessoal, renovado pelo Nobel da paz.
A queda de braço será entre essas duas forças. Mas, à diferença do plebiscito, que não entusiasmou muita gente (menos de 40% do eleitorado votou), essa nova fase parece ter acordado os colombianos, que ganharam as ruas e querem uma resposta rápida a esse impasse.
O limbo prolongado do acordo não interessa a ninguém: nem aos que sofrem com os ataques e extorsões das Farc ativas, nem ao governo que ficou desprestigiado com a derrota, nem a Uribe, que quer logo armar sua força pensando em 2018. E mais, o limbo não interessa à Colômbia, que mais do que nunca quer voltar à comunidade internacional como um país em paz, maduro e com a economia em ordem.