Feira de Guadalajara premia Norman Manea

Sylvia Colombo
O escritor romeno Norman Manea, premiado no México (Foto El País)
O escritor romeno Norman Manea, premiado no México (Foto El País)

Em vez de ter apenas um país homenageado, como todos os anos, a Feria Internacional del Libro de Guadalajara, maior evento do mercado editorial de língua hispânica, que ocorre de 26 de novembro a 4 de dezembro neste ano, homenageará a literatura de toda a América Latina, o que significa uma representação reforçada de todos os países.

O vencedor do prêmio máximo do evento, porém, virá de outra paisagem. O júri decidiu premiar o romeno Norman Manea, 80, pouco traduzido no Brasil, e que trata especialmente do tema do exílio e das “identidades itinerantes” em sua literatura.

Leia, abaixo, a entrevista que Manea deu ao blog, por e-mail, falando de sua relação com a literatura latino-americana e sua participação no evento.

Folha – Há apenas um de seus livros traduzidos ao português no Brasil, “O Retorno do Hooligan”.  Na verdade, ainda existe um grande abismo entre nosso país e a do Leste Europeu. Que razões o sr. dá para isso? O sr. crê que esse cenário pode mudar com o enfraquecimento da mediação por meio de editoras dos centros europeus ocidentais e dos EUA?

Norman Manea – Eu lamento muito essa situação. A conexão entre a vida cultural fascinante do Brasil e seu movimento literário tão rico é de grande importância e estímulo para qualquer outro ambiente cultural e deveria viajar mais. Há alguns anos, estive como convidado de um evento da PEN, no Rio, e fiquei abismado pela energia, beleza e originalidade do país.

Folha – A questão do exílio é muito importante em seu trabalho e em sua própria biografia. O sr. acha que é uma ironia trágica que aquilo que parecia ser um passado traumático da humanidade seja de novo um assunto tão atual e venha se renovando com a crise dos refugiados na Europa? Como o legado da literatura do exílio pode ajudar a refletir sobre o exílio contemporâneo?

Manea – Sim, é uma ironia trágica, mas infelizmente a literatura não pode ter um impacto social de fato importante nesses dramas globais, pelo menos não em uma grande dimensão. Pode, sim, ter influência em alguns indivíduos. E se isso não se mostra ignorado, já é um bom sinal.

Folha – Li numa entrevista que o sr. costuma ser identificado como um escritor centro-europeu, o que o aproximaria dos universos de Robert Musil ou Franz Kafka, mas que, no fundo, a literatura que o sr. faz estaria mais relacionada a escritores como Marcel Proust. O sr. vê realmente uma distinção muito clara entre essas tradições em seu trabalho?

Manea – Proust é uma grande influência sem dúvida, mas Musil também, é possível ter ambos como mestres e tutores e eu os considero assim. Creio que minha biografia e meu destino me aproximam mais a Kafka, como o símbolo radical do estrangeiro solitário de qualquer tempo e lugar, exilado para sempre em seu próprio quarto ou em suas próprias páginas.

Folha – Essa influência de Proust está bem presente em “O Retorno do Hooligan”, no sentido de que se trata de uma obra de forte conotação memorialística, e que ao mesmo tempo mostra uma Europa em transformação. Está de acordo?

Manea – Prefiro que os leitores e os críticos decidam se esse livro possa ser classificado como “proustiano”, por conta do aspecto socio-político e pela sensibilidade do autor com relação a ela. Prefiro ver como uma espécie de colagem autobiográfica e literária, significativa de nosso tempo e muito dinâmica e turbulenta, com suas raízes na nova modernidade, ou na pós-modernidade, e seus conflitos.

Folha – O sr. leu autores latino-americanos, e brasileiros em particular?

Manea – Na Romênia tivemos muita literatura latino-americana traduzida especialmente nos anos 1960, e gostei muito de autores como os argentinos Martinez Estrada, Jorge Luis Borges e Ernesto Sabato, além de Vargas Llosa. Mas não à literatura brasileira, de que eu me lembre, apenas Jorge Amado era mais amplamente lido. Recentemente, li Clarice Lispector, que por acaso foi parar no Brasil vinda de nossa região.

Folha – O que o sr. espera encontrar no México, durante a FIL?

Manea – Eu estive duas vezes no México, uma em 1990, e recentemente, para o centenário de Octavio Paz. Nos dois casos fui tratado extraordinariamente e achei o nível do debate excelente, além da atmosfera muito amigável. Fiquei chocado, preciso dizer, pela atenção e o apoio que a cultura ainda recebem, mesmo nesses tempos turbulentos, naquele maravilhoso país.