Amigos, Vargas Llosa e Álvaro Uribe trocam farpas pelo processo de paz
E pensar que esses dois eram amigos. Em seu incansável discurso contra os populismos de esquerda, na última década, o Nobel peruano Mario Vargas Llosa várias vezes apontou o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2002-2010) como um político responsável, que agia de modo “enérgico e resoluto” contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e contra outros grupos de luta armada de tendência esquerdista. Coerentemente, em seu pomposo aniversário de 80 anos, em março, entre os 400 ilustres convidados, Vargas Llosa não se esqueceu de chamar seu ídolo colombiano, Uribe, que atendeu à festa junto a outros políticos neoliberais latino-americanos.
Entre as tantas passagens em que demonstrou simpatia pelo ex-presidente colombiano, contei uma aqui, quando cobri o Festival de Literatura de Bogotá (Filbo), em 2014. Vargas Llosa teve um bate-boca com um manifestante que, em meio à sua palestra, rasgou um livro do Nobel acusando-o de ser próximo de Uribe _a essa altura, com má-fama depois da descoberta dos escândalos envolvendo o governo com os paramilitares, entre outros. Vargas Llosa chamou o leitor anti-uribista de “fundamentalista” e seguiu sua fala.
Pois a amizade entre Álvaro Uribe e Mario Vargas Llosa sofreu um duro golpe nesta semana. O ex-presidente deve ter tido de esfregar os olhos ao dar de cara com a coluna que o peruano escreveu no jornal espanhol “El País”, em que dizia que: “se eu fosse colombiano e pudesse votar, o faria pelo ´sim´.”
Como se sabe, a Colômbia vive as semanas prévias a um plebiscito em que não apenas a população aprovará ou não um acordo de paz a que chegaram o governo e as Farc. Internamente, a votação se transformou também numa queda-de-braço entre o atual presidente e promotor do acordo, Juan Manuel Santos, e seu antecessor e antigo padrinho _mas hoje inimigo mortal_ Álvaro Uribe.
O ex-presidente tem recorrido o país fazendo comícios em campanha estridente pelo “não”. Suas razões, pelo menos as verbalizadas, são de que o acordo é demasiado concessivo à guerrilha, que “entrega o país ao castro-chavismo” e ao comunismo. Suas razões pessoais, qualquer colombiano perguntado nas ruas dirá, estão relacionadas a ciúmes políticos e a uma disputa sobre quem deixará o melhor legado e ficará mais vistoso nos livros de história. Se Uribe, até então conhecido como o presidente que, com mão-dura, pacificou o país, reprimindo a guerrilha, ou Santos, que oferece agora amplas anistias, subsídios e uma Justiça especial a pessoas que cometeram graves delitos.
Uribe não ficou quieto, e logo no dia seguinte do artigo do escritor peruano, soltou um comunicado, por meio de seu partido, o Centro Democrático. Diz o texto: “Convencidos de seu espírito democrático, convidamos o sr. Vargas Llosa a ler o acordo de 297 páginas para que verifique que seu objetivo não é a paz, mas sim impor aos colombianos um modelo que causou muito estrago à Cuba e à Venezuela.”
O curioso é que, em seu artigo, Vargas Llosa também usa argumentos parecidos ao de Uribe, só que para pedir o contrário, que os colombianos votem “sim”. Se para Uribe, votar “não” é aproximar a Colômbia da atual tragédia venezuelana, para Vargas Llosa, a única maneira de evitar o mesmo panorama é votar pelo “sim”. Diz ele: “O ar desse nosso tempo não está para as aventuras guerrilheiras que, nos anos 60, só serviram para encher a América Latina de ditaduras militares sanguinárias e corrompidas até os ossos. Empenhar-se em imitar o modelo cubano, a romântica revolução dos barbudos, serviu para que milhares de jovens latino-americanos se sacrificassem inutilmente e para que a violência e a pobreza se estendesse.” E conclui pedindo “uma recusa às ditaduras, às rebeliões armadas e as utopias revolucionárias que afundam os países na corrupção, na opressão e na ruína (leia-se Venezuela).”
Como continuará a queda-de-braço entre os dois amigos neoliberais, a Colômbia espera, como quem acompanha uma telenovela.