Coetzee conta ao blog como é uma prisão argentina

Sylvia Colombo
O Nobel sul-africano J.M. Coetzee, em uma de suas visitas à prisão de José León Suárez (Foto Clarín)
O Nobel sul-africano J.M. Coetzee, em recente visita à prisão de José León Suárez (Foto La Nación)

Já há alguns anos, o Nobel J.M. Coetzee, 76, escolheu Buenos Aires como uma espécie de laboratório literário e espaço para discutir as relações culturais Sul-Sul. No ano passado, assisti a uma de suas conferências no Malba (Museo de Arte Latinoamericano) em que, saindo um pouco de seu estilo formal e contido, fez duras críticas ao mercado editorial dos grandes centros europeus e dos EUA, que, segundo ele, impediam o intercâmbio de autores da América Latina, da África, da Oceania e de outras regiões. Para ele, essas grandes editoras não se interessavam em traduzir, fazer viajar os livros e, por conta disso, seus autores também ficavam de fora do circuito de festivais e de encontros literários. Coetzee, autor de “Desonra” e “Elizabeth Costello” (entre outros, publicados pela Companhia das Letras no Brasil) nasceu na África do Sul, mas radicou-se na Austrália, onde vive.

Em Buenos Aires, Coetzee vêm coordenando nos últimos anos uma cátedra chamada, justamente, de Literaturas del Sur, na Unsam (Universidad Nacional de San Martín) e por conta disso visita a cidade pelo menos duas vezes ao ano. Mas foi apenas em 2015 que começou a participar de oficinas da instituição realizadas em José León Suárez, uma prisão localizada no conurbano bonaerense. A atividade do Nobel aí se mistura a um trabalho já existente da universidade, com aulas também de sociologia e história aos presos. Na oficina de Coetzee, eles são estimulados a escrever uma história a partir de uma palavra que tenha marcado sua infância. Depois, as leem em voz alta. Coetzee acompanha as leituras de modo atento, sempre com a tradução do texto em mãos.

Avesso a entrevistas, curto e às vezes cortante nas respostas, o Nobel de 2003 prefere afirmar que sua obra fala por ele. Ainda assim, topou responder a algumas perguntas deste blog sobre sua mais recente oficina realizada no cárcere argentino, neste mês.

Leia, abaixo, as respostas de Coetzee, enviadas por e-mail:

Folha – Como surgiu a ideia de visitar uma prisão argentina? O sr. costuma realizar esse tipo de trabalhos na África do Sul ou em outros países?

Coetzee – O projeto surgiu em minha primeira visita à Universidad Nacional de San Martín. Nunca tinha feito “workshops” em prisões antes, mas na África do Sul participei de atividades de leitura e comentários de textos escritos por prisioneiros.

Folha – Num painel do Malba, em 2015, ao lado de escritores argentinos, o sr. fez críticas à mediação de editoras europeias e norte-americanas, que pouco se interessavam em traduzir ou promover a literatura de outras regiões do mundo, causando uma distância grande entre essas produções e impedindo o intercâmbio. Crê que isso vem mudando?

Coetzee – Não vejo nenhuma evidência de que essas coisas estejam mudando. Mais do que isso, nos últimos meses pude ver, com meus próprios olhos, que difícil é para os próprios países da América Latina estabelecerem um intercâmbio entre eles mesmos, faltam edição e distribuição de autores latino-americanos entre os próprios países latino-americanos.

Folha – Quais as diferenças e semelhanças que o sr. encontrou entre uma prisão argentina e prisões sul-africanas, se as conhece?

Coetzee – De um país a outro, a rotina diária de uma prisão é mais similar do que diferente. Mas eu não tenho experiência pessoal em prisões. Não me sinto qualificado para dizer quais são as experiências dos que vivem ali.

Folha – E o que achou da qualidade literária dos trabalhos dos presos com quem interagiu na Argentina?

Coetzee – Eles queriam expressar seus sentimentos e pensamentos de modo extremamente passional, mas é visível a limitação que têm pelo fato de terem tido uma educação precária e uma falta de familiaridade com a literatura, mesmo a mais básica. Seus professores na prisão vêm fazendo um trabalho maravilhoso por meio do estímulo a exercícios de auto-expressão.

Folha – O sr. tem planos de usar essa experiência na América do Sul em algum futuro livro?

Coetzze – Não. Não é assim que eu, como autor, trabalho.