Pergunta do plebiscito cria polêmica e confunde pesquisas

Sylvia Colombo
Charge da revista "Semana" mostra o presidente Santos (com o "sim") e o ex-presidente Uribe (com o "não")
Charge da revista “Semana” mostra o presidente Santos (com o “sim”) e o ex-presidente Uribe (com o “não”)

Minha experiência recente com as pesquisas de intenção de voto na Colômbia não é  das melhores. Quando vim ao país para cobrir as eleições de 2014, elas de um modo geral erraram no primeiro turno e não adivinharam que Óscar Iván Zuluaga venceria essa rodada. Já no segundo, oscilaram e apenas nas últimas horas antes do pleito conseguiram cravar que Juan Manuel Santos virara o jogo e seria reeleito.

Portanto, eu não esperava nada diferente ao chegar aqui, há poucas semanas, para cobrir o processo de paz. Nos dias anteriores ao anúncio do texto final, elas davam uma tendência de aumento do “não”. Depois que se fez público o consenso entre as duas partes, o “sim” subiu, mas só por uns dias. Logo, quando o texto foi melhor conhecido, o “não” voltou a ganhar força, por conta do conhecimento das concessões à guerrilha que os colombianos têm dificuldade para engolir e que seguem no documento.

Por fim, depois que se lançou a pergunta oficial do plebiscito, os números voltaram a disparar para o lado do “sim”. E a mais recente, do instituto Ipsos, aponta uma vitória de lavada, de 72% _numa competição em que essa alternativa só precisa de 4,5 milhões de votos, ou seja 13% do total para sair vencedora.

Mas será que a oscilação tem a ver mais com a facilidade com que os colombianos mudam de ideia ou com a fragilidade dos métodos de apuração?

Para o colunista da revista “Semana”, Daniel Coronell, um dos mais respeitados jornalistas do país, sim, pois, ao dissecar os problemas de uma dessas pesquisas apontou para diversos erros cometidos por institutos colombianos: fazem muitas perguntas antes da questão principal, ou seja, acabam de algum modo conduzindo o cidadão a uma opção, se estiver indeciso, dão mesmo peso a sondagens telefônicas do que a entrevistas ao vivo e, em geral, privilegiam as regiões urbanas.

Só que, a essa altura da campanha, a questão da disparidade dos números apontados pelas pesquisas ganha um componente novo. E é o seguinte: a pergunta elaborada pelo governo para ser respondida pelos colombianos no próximo dia 2 de outubro é adjetivada e dá margem a uma interpretação pouco objetiva.

Vamos a ela: “Você apoia o acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?”.

O principal problema foi logo apontado pela oposição, inconformada: a questão não fala das Farc e não especifica de que acordo se trata especificamente. Para os que conhecem pouco a história da Colômbia, acordos de paz já foram feitos aos montes em outras épocas, com o M-19, com o Quintín Lame, com os paramilitares. Neste momento, além do quase encerrado acordo com as Farc, o governo também iniciou a negociação de outro, com o ELN (Exército de Libertação Nacional).

Portanto, o colombiano médio, sem muito acesso a informação, pode confundir-se, até porque aqueles que vivem em zonas de conflito sabem que as Farc são apenas parte da violência geral do interior. Também estão aí as temidas Bacrim _bandas criminosas_ formadas por ex-paras e ex-guerrilheiros, hoje dedicados ao narcotráfico. Como saber de que acordo se está falando? A oposição pediu que se esclarecesse que esse era o tratado com as Farc, incluindo a sigla da guerrilha em questão na pergunta, mas o governo não acatou o pedido, e a Corte Constitucional o apoiou.

Para o presidente Juan Manuel Santos, a pergunta é “neutra” e não tem como causar confusão. Neste ponto, além da oposição, surgiram reparos também de linguistas e constitucionalistas. Para estes, a pergunta deveria se limitar ao acordo de Havana e não questionar o eleitor se ele é ou não a favor da “paz”, um conceito abstrato e genérico, e ainda mais com os adjetivos “estável e duradoura”.

Não há como negar que tal questão, assim formulada, leva o eleitor a ser favorável à proposta, ainda que não a conheça bem. Quem possivelmente dirá ser contra a paz e que ela seja estável e duradoura? É preciso lembrar que, entre os que defendem o “não” estão não apenas aqueles interessados na derrota política de Santos ou que querem que o conflito continue porque lucram com ele. Também defende o “não” parte da sociedade que igualmente quer a paz, porém sem as tantas concessões e anistias que o acordo de Santos propõe. E a pergunta, como está formulada, não os contempla, não dá opção para que os eleitores que gostariam de uma paz diferente da estabelecida no texto de Havana se manifestem.

Ao perguntar, com uma linguagem idílica e apontando para um futuro sorridente e luminoso (“uma paz estável e duradoura”), o governo falta com a objetividade, e de certa forma manipula os corações a seu favor.

É desejável e, neste momento bastante provável, que o “sim” vença o plebiscito. Mas a pressa de Santos em aprova-lo antes que sua popularidade continue caindo _por questões extra-paz, como a economia_ pode fazer com que cometa atropelos. Seria uma pena desperdiçar esses quatro anos de negociações tomando atitudes autoritárias ou manipulando sentimentos, que foi um pouco o que ocorreu na formulação dessa pergunta.

Os colombianos merecem que o “sim” ganhe e que a guerra termine, mas também que isso ocorra de forma legítima e democrática.