Di Benedetto, o reconhecimento 30 anos depois

Sylvia Colombo
O escritor argentino, Antonio Di Benedetto (Foto Divulgação)
O escritor argentino Antonio Di Benedetto (Foto Divulgação)

Ser um escritor argentino na mesma época em que estavam em cena Jorge Luis Borges (1899-1986) e Julio Cortázar (1914-1984) não era tarefa fácil se a ambição fosse ficar famoso pelo mundo. Ainda mais se esse escritor vivesse afastado do círculo boêmio e de troca fervilhante de ideias que era Buenos Aires, onde também se localizavam as principais livrarias e editoras do país.

Mas Antonio Di Benedetto (1922-1986), em sua Mendoza natal, não se importava muito com isso. Passou boa parte da vida na província andina, dividindo-se entre a literatura e o jornalismo. Deixou, para a posteridade, algumas das grandes obras do século 20 argentino, entre elas, “Zama” (1956), que agora vira filme nas mãos da talentosa Lucrecia Martel (de “O Pântano”), e “Los Suicidas” (1969).

Nos trinta anos de sua morte, que se completam no próximo dia 10 de outubro, reedições e novas revelações, especialmente sobre o fim de sua vida, saem à luz, colocando em primeiro plano esse tímido e culto mendocino, que teve a vida cindida em dois por conta da ditadura militar (1976-1983).

Como sub-diretor do jornal “Los Andes”, Di Benedetto dedicava-se a escrever de assuntos variados. Não apenas cobria temas culturais _cobriu festivais de cinema europeus, entrevistou Júlio Cortázar quando este voltou da França_ mas também eleições nos países da região, como a do Chile em 1964. Sua obra jornalística, até agora dispersa e mal-organizada, está sendo publicada neste momento, com a efeméride de sua morte como gancho, no volume “Escritos Periodísticos – 1943-1986, (ed. Adriana Hidalgo).

Pela variedade de sua produção e pela sua falta de engajamento político muito claro _diferentemente de outros escritores-jornalistas, como Rodolfo Walsh (1927-1977)_ Di Benedetto nunca entendeu porque, na tarde do dia do golpe militar, 24 de março de 1976, entraram em seu escritório no jornal “Los Andes” e o prenderam. Por um ano e meio ficou confinado, recebeu torturas e passou por quatro simulações de fuzilamento.

Di Benedetto contava a amigos que revirava a memória e os próprios escritos para entender a razão da sua prisão, mas não a encontrava. Entre seus escritos, os que mais poderiam ser provocativos não estavam relacionados aos militares. Como anti-peronista que era, fizera críticas à Triple A, milícia para-estatal que atuava durante o governo democrático de Juan Domigo e Isabel Perón, interrompido pelo golpe. O caso de Di Benedetto apenas sugere que a repressão durante a ditadura militar, na verdade, seguia uma linha de continuidade com relação à repressão que já existia no governo dos Perón, ou seja, no pré-golpe _um assunto mais do que tabu na Argentina, mas que reúne outras evidências além do caso de Di Benedetto.

Um grupo de escritores, jornalistas e notáveis de então pressionou por sua libertação, entre eles estavam Victoria Ocampo, Ernesto Sábato e o diretor do “Buenos Aires Herald”, o norte-americano Robert Cox _o “Herald” era então o único jornal que divulgava a desaparição e a prisão de pessoas pela ditadura. Era um jornal de pouca circulação, escrito em inglês, voltado à comunidade britânica, mas que foi importante ao jogar luz a casos que os grandes meios não se atreviam a tocar por pressão dos generais. Foi no “Herald” que, pela primeira, vez falaram as mães dos desaparecidos.

 

 

Quando foi libertado, diferentemente da maioria dos presos políticos, que logo davam um jeito de escapar do país, Di Benedetto preferiu procurar as autoridades para questionar as razões de sua prisão. Quando se cansou de não obter respostas, deixou a Argentina. Primeiro passou pela França e pelos EUA, mas acabou instalando-se na Espanha.

Quando voltou ao país, instalou-se em Buenos Aires cercado já de muito respeito e atenção, diferentemente de antes. Mas era já um homem abalado e desgastado pela experiência da prisão, da tortura e do exílio. Continuou produzindo, lançou dois romances, volumes de contos e uma coletânea de recordações do exílio. Ganhou prêmios e reconhecimentos, mas a obra desta segunda parte de sua vida não tinha o brilho nem se podia equiparar à força de obras como “Zama” e “Los Suicidas”.

A reedição de seus textos, a coletânea de seu trabalho jornalístico reunido e lançado agora, assim como o filme de Martel, em pós-produção, e o recente “Aballay”, baseado em conto seu e que foi o representante da Argentina no Oscar em 2012 são sinais de uma recuperação póstuma e vigorosa de sua obra.

Assim como passou com outros autores que foram ofuscados internacionalmente pela sombra de Borges e Cortázar _como Witold Gombrowicz, Rodolfo Walsh, Rodolfo Fogwill_ Di Benedetto se transformou numa espécie de autor de culto, e ganhou a admiração de jovens leitores que hoje seguem e consomem avidamente os escritos dessa turma.

Estão descobrindo o que os grandes de seu tempo já sabiam, como dizia dele Jorge Luis Borges: “Di Benedetto escreveu páginas essenciais que me emocionaram e seguem me emocionando.” Ou Ricardo Piglia: “A prosa de Antonio Di Benedetto está à altura da prosa de Borges: os dois estilos são antagônicos mas também são perfeitos.”

Que a efeméride seja uma boa oportunidade para estimular editores brasileiros a traduzi-lo mais. Esse volume sobre jornalismo, especialmente, joga luz a passagens da história recente da América Latina a partir de um olhar de província, e não de um grande centro como Buenos Aires. Seu valor para a compreensão do período é, assim, inestimável.